Esse estudo se espalharia em livros como Casa-grande & senzala, Sobrados e mucambos, Um engenheiro francês no Brasil, Ingleses no Brasil, Nós e a Europa Germânica, num desdobramento, através de interpretações das análises, de uma quase ciência nova que se pudesse denominar Anunciologia. Dentro dela, meu esforço mais especializado, além de sistemático, creio ter sido O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, precedido por uma conferência proferida no Rio, em 1934, na Escola de Belas-Artes, e no qual a perspectiva seria porventura mais ampla do que a de Nabuco naquela sua observação um tanto superficial no seu aliás excelente O abolicionismo.
A primeira edição do livro que agora reaparece publicou-a a Universidade Federal de Pernambuco, tendo sido acolhida pela crítica mais idônea como nova perspectiva do assunto - o escravo no Brasil patriarcal como um negro situado. Crítica mais idônea constituída por antropólogos, sociólogos, psicólogos, economistas, linguistas, historiadores. E também por críticos não-especializados, dado que o livro não é escrito em nenhum jargão cientificoide: nem antropologês, nem sociologês nem psicologês. Nenhum.
Entretanto, os anúncios apresentados considerei-os, de início - desde que empreendi as primeiras pesquisas que resultariam no meu constante uso, em livros e ensaios -, não só desde o começo da década de 30, como desde os estudos realizados na década anterior, de considerável importância do ponto de vista linguístico: inclusive do ponto de vista do desenvolvimento, no nosso país, de uma língua literária a que não faltasse oralidade, e esta vinha da boca dos iletrados. Inclusive dos brasileiros de todo inacadêmicos que, desde o aparecimento, no Brasil, dos primeiros jornais - no Rio, na Bahia, em Pernambuco -, passaram a redigir, eles próprios, com toda a espontaneidade, anúncios relativos a vários objetos ou a vários sujeitos. Inclusive os relativos a escravos.
Pois entre os anúncios relativos a sujeitos, por vezes vistos como simples objetos, os que, desde os começos do século XIX, foram anunciando escravos à venda, escravos de aluguel, escravos fugidos, chegariam a avultar nos jornais do Império. Talvez mais do que outros anúncios relativos a pessoas, a animais e a coisas, deles foram transbordando verdadeiros "à-vontades" de linguagem oral, popular e até folclórica: aquela "língua errada do povo, língua certa do povo", de que falaria Manuel Bandeira.