O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX

se ligam à própria atualidade antropossocial e cultural brasileira. Oferece bases ou apoios para interpretações em profundidade que vão além das já empreendidas. Por exemplo: com relação aos tipos constitucionais de homem mais presentes entre anúncios de escravos. Os longilíneos suscetíveis de serem confrontados com os brevilíneos. Os muitos de dentes bons. Os "políticos no falar" suscetíveis de serem confrontados com os gagos, seus opostos. Os vários tipos de cabelo. As marcas tribais. Os sinais de castigos da parte daqueles senhores por vezes sádicos, dos quais não poucos escravos fugiam, não à procura de liberdade absoluta - repita-se - mas em busca de, para eles, bons senhores. As cabeças deformadas por excesso de carregar peso. Os trajados como se fossem quase fidalgos. Os contentes da vida. Os de gestos alegres. As mulheres de "bonita figura". As misteriosas. As que fugiam vestidas com as sedas e rendas de suas sinhás: aventura e vaidade misturadas.

Não é uma multidão, essa de escravos fugidos, quer à venda quer de aluguel, que desfila pelos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de gente toda triste; ou parecendo toda mártir; ou toda sofredora ou maltratada. Muitos, na verdade, dentre eles, escravos como aquele que se lançou aos pés de Nabuco ainda menino de Massangana pedindo ao sinhozinho que fizesse sua madrinha comprá-lo de senhores maus. Mas também se apresentam os extrovertidos. Os risonhos, como se lhes fossem dadas, por vezes, até regalias. Ou direitos de afirmação e de expressão de sua religiosidade através de ritos católicos aos quais juntassem os seus em danças e cantos. Alguns desses cantos mais de alegria do que daquela revolta e, na verdade, daquela melancolia que caracteriza os blues e os próprios spirituals dos escravos nos Estados Unidos.

Seriam esses extrovertidos, porventura nascidos e criados em casas de senhores benignos - e, por morte destes, vítimas de herdeiros menos abastados ou cruéis, dos quais vieram a fugir - talvez mais felizes no Brasil patriarcal do que, quando na África negra, oprimidos por sobas e, sobretudo, maltratados nas próprias tribos: vítimas, por vezes, de tirânicas opressões tribais sob o aspecto de ritos compressores. Observando-se a mesma multidão de escravos dos quais, nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, aparecem perfis antropológicos, esboços de biografias, umas como fichas de identificação psicossomática, conclui-se desses anúncios que, no Brasil, se anteciparam em fazer antropologia, como Mr. Jourdain fazia prosa: sem o saber. Esse material de

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