História de um engenho do Recôncavo. Motoim – Novo Caboto – Freguesia; 1552-1944

Sob uma das tendas apinhavam-se fregueses, curiosos da novidade de um tal fonógrafo que ali levara um carcamano a cobrar tanto por audição. O mecanismo era complicado - cilindros de carnaúba, tubos de borracha, terminando em tenazes condutoras de sons, que canalizavam diretamente aos ouvidos o ranger fanhoso de músicas estrangeiras, e em meio a estas o "bendito" baiano - "Oh! Mãe de Deus das Candeias", que comovia a antigos "romeiros" ouvindo-o repetido por uma máquina!

No sobrado, cheio de amigos e vizinhos - os Cerqueiras, Limas, de Matoim, os Teixeiras Barbosas, de Passagem, alguns convidados da Cidade, refeições lautas na sala enorme, a palestra, a dança, todo o velho regime de festejar e receber nos engenhos dos bons tempos.

E o largo telheiro escuro do banguê embuçava-se no recolhimento de um silencioso agastamento, enquanto a capela e o sobrado, entre repiques e foguetes, risos e ruídos, como que tiravam desforra de tantos anos de quase esquecimento.

E foi a última grande festa em Freguesia.

Reduzido à fazenda fornecedora de canas não esgotara o velho engenho o cálice das amarguras. Prostrado ante a "usina", iria ser-lhe entregue, num arrendamento que pareceu conveniente e inevitável, mas era para sua altivez uma afrontosa capitulação.

Bem sabia ele o que eram arrendamentos. Ali junto, seu companheiro e irmão gêmeo - o Matoim, não estivera havia já tantos anos arrendado?

E não tivera o conde de Passé de, por assim dizer, reconstruí-lo quando o recebera do arrendatário?(13) Nota do Autor

Tinha razões para temer-se do desamor, da pressa predatória, que sempre foi, salvas as exceções, o regime da exploração agrícola dos arrendatários.(14) Nota do Autor

Mas os donos de Freguesia, quando o levaram ao sacrifício, tiveram o cuidado de poupar o que nele havia de nobre, grandioso e antigo. O sobrado e o telheiro do engenho não foram entregues aos usineiros, continuando sob o zelo direto dos proprietários.(15) Nota do Autor

Trinta anos de arrendamento se escoaram; e um dia o velho engenho sorriu, de dentro de sua humilhação: - a usina arrendatária fechara!

Mas o "banguê" não podia ressuscitar. Outros tempos, outras condições, outro mundo! Nem mais moenda, máquinas, tachas, metais fundidos em obuses da grande guerra, e na corrida de altos

História de um engenho do Recôncavo. Motoim – Novo Caboto – Freguesia; 1552-1944 - Página 524 - Thumb Visualização
Formato
Texto