Quebra-quilos. Lutas sociais no outono do Império

ensejavam "uma verdadeira Revolução Social, sem que os poderes do Estado tenham dispensado a necessaria atenção a semelhante fenomeno".

Vendo o câmbio subir e as exportações manterem-se sempre superiores às importações, os políticos de então fizeram tabula rasa do cassandrismo de Milet que, por sua vez, não lhes perdoava a subordinação ao que ironicamente chamou de "livros de Além-Mar", referindo-se às teorias econômicas europeias da época.

Para Milet, contemporâneo do movimento Quebra-quilos, este era filho legítimo dos sofrimentos e do mal-estar provocado pela destruição do capital de giro - então chamado de "flutuante" da lavoura e do comércio. O otimismo da época, contra o qual Milet investe, fora abalado pelas agitações surgidas em cinco províncias do Império; como testemunha do que estava acontecendo no Nordeste, não perdeu Milet a oportunidade de também anatematizar a centralização econômica na qual o governo surgia naturalmente como senhor absoluto do crédito e regulador todo-poderoso da circulação monetária.

As soluções emergenciais do governo para desbordar seus apertos econômicos nem sempre foram muito felizes. O Tesouro fazia empréstimos aos bancos, emitindo bilhetes, que eram simplesmente certificados de depósito com juros, desviando-se assim, teoricamente, os recursos que poderiam servir às atividades comerciais e industriais. A crise já fazia parte da história econômica e financeira do País, não obstante os esforços, os pronunciamentos e os discursos oficiais, alienados uns, ufanistas outros. Mais papel moeda ou novos empréstimos constituíram a angústia prometeica do Conselho de Estado para salvar o Império da bancarrota.

Para Milet a crise começara em 1872 e a perturbação da "officina social" não se limitava aos produtores. Por ocasião do Quebra-quilos, consumiam seu próprio capital ou viviam à custa de empréstimos. Gastos limitados ao indispensável e redução do braço livre impunham-se a quase todos os produtores, com suas inevitáveis projeções sociais, porém eram sobretudo os pequenos engenhos, aqueles que eram obrigados a recorrer a "alugados" para os trabalhos de roçagem, plantação e limpa, corte e transporte do açúcar, os que sofriam, mais agudamente, os efeitos da recessão.

Embora houvesse na época engenhos capazes de produzir de cinco mil a seis mil pães de açúcar (375 mil a 450 mil quilos) em cada safra, a grande maioria não passava de mil e, levando-se em

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