Quebra-quilos. Lutas sociais no outono do Império

época em que aqueles produtos podiam ser vendidos a 3$000 e a 12$000. Milet, diante de tal quadro, para o qual aliás não via soluções a curto prazo, disse espirituosamente que, enquanto o povo miúdo levantava-se em sedições, a classe média desesperadamente pedia a Deus uma boa guerra que fizesse outra vez baixar o câmbio.

Estabelecendo um paralelo entre as reivindicações das classes inferiores de uma sociedade industrial como a inglesa, que vivia nessa época o apogeu de sua revolução industrial, e á nossa, mesmo com a "lepra da escravidão", assinalou Milet que se os preços dos produtos ingleses, por qualquer circunstância, se tornassem inferiores ao custo de produção, "nem o governo, nem a própria constituição social perdurariam por espaço de 24 horas". A enfática afirmativa revela sua profunda convicção de que o Quebra-quilos não podia ser considerado somente como um pronunciamento político ou como um protesto religioso.

Não foi apenas o regime servil que limitou as potencialidades das reivindicações do campesinato nordestino dos fins do século XIX. Os trabalhadores livres tinham um mínimo de subsistência na caça, na eventual pesca e numa pequena atividade agrícola ao redor de casa, que, reunidas, os mantinham desgraçadamente vivos. Essa possibilidade de sobrevivência, malgrado o ônus físico e cultural dela decorrente, era sempre um desbordamento histórico da dilemática em que se inseriram as classes inferiores do passado: lutar ou perecer. A adaptação e as formas miméticas de convivência e existência, estimuladoras da estática social do Império, diminuíram o impacto quebra-quilo. Até que ponto poder-se-ia considerar a fase mais aguda do movimento como uma tentativa de reforma social? O próprio Milet, alarmado, julgou-se diante dos "prodromos de uma revolução social" pois outro nome não via para "se dar a substituição de uma classe da sociedade por outra na posse dos instrumentos de trabalho, e à destruição em poucos annos de grande parte do capital acumulado pelas gerações que nos precederam".

A crise, entretanto, não era precisamente um processo agudo, um mal crônico, exacerbado temporariamente pelos níveis comprometedores de estabilidade social. Se o engenheiro francês, tão bem estudado por Vamireh Chacon (6) Nota do Autor, pecou ao medir o potencial de mudança de sua época, não lhe escapou o aparecimento de uma burguesia urbana, inovadora e progressista que se imporia no século

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