Quebra-quilos. Lutas sociais no outono do Império

Em Cabo Verde (Minas Gerais), o juiz municipal oferece pormenorizada descrição do que sucedia em sua comarca dizendo: "Seriam 12 horas do dia de hoje quando um bando de 200 pessoas, quasi todas a cavallo e armadas de garruxa, espingarda e faca dirigiram-se para esta villa todos elles compactos e pararão em frente a casa do cidadão Theodoro Candido de Vasconcellos, subdelegado de Policia e Membro da Junta de alistamento do serviço do exército e armada. Ahi gritarão unisonos: Venhão as listas, queremos rasgal-as. O subdelegado vendo o grande numero de homens, sahio logo e vio que era inutil umma resistencia. Os homens sediciosos cercarão-no logo e o conduzirão pelas ruas da Villa até a casa do secretário da Junta, onde se achavam os papeis e livros do alistamento. Alguns policiais que se achavão a frente da casa do subdelegado foram desarmados pela turba multa".

Conta depois o juiz, com estilo notarial, como os sediciosos tomaram conta da cidade, e dá os pormenores de como foi feita uma fogueira na frente da Matriz "sendo executor desse acto o proprio Secretario a quem os malvados obrigarão a fazer a fogueira e lançar n'ella os papeis". Prometendo um. saque na coletoria, os sediciosos retiraram-se. Eram gente conhecida, e o juiz não teve dificuldades em saber os nomes dos chefes: José Joaquim de Oliveira, Mariano de Sousa, Joaquim José Teixeira, Herculano Goulart, Joaquim Estêvão dos Santos Freire, Francisco José Martins, Vicente José de Sousa Travassos, Antônio Mariano de Sousa e José Moreira de Sousa.

Em Caldas, não foi muito diferente o que aconteceu, e, no Serro, também houve tumultos. Percebe-se que a Lei de alistamento fora, se não mal elaborada, pelo menos, mal apresentada a populações cujo horizonte social e político não passava das Comarcas onde viviam. As ideias de Exército, de Armada, de Pátria, talvez comprometidas com os relatos a sotto voce da guerra do Paraguai, eram abstrações que o cotidiano das cidades do interior rejeitava ou passava para um segundo plano na hierarquia de seus valores morais.

Na Bahia, em Camamu, receava-se a vinda de oitocentas pessoas armadas para ocupar a cidade e, em Santana do Catu, duzentos homens armados de faca e cacetes ameaçavam as autoridades "oppondo-se à execução da lei do alistamento". Mesmo sem o pequeno exército apresentado em Camamu, os sediciosos já controlavam a cidade, porque a primeira força do Governo, que lá se dirigia, com intuitos de manter a ordem, regressara "sob pressão do medo

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