Quebra-quilos. Lutas sociais no outono do Império

A nossa cultura latifundiária, de base escravocrata, trouxera no próprio seio o gérmen de sua decomposição. Porém, a aristocracia rural, que se diria desarticulada e desmontada, lentamente se recompusera após a expulsão dos holandeses. A liberdade obtida pelo escravo, no Nordeste, durante a ocupação flamenga, embora precária e transitória, resultado de uma crise, constituíra um movimento coletivo, de massa. O quilombo dos Palmares, que cresceu em torno de um pequeno refúgio de negros evadidos do cativeiro, desenvolvera-se extraordinariamente com a conquista holandesa, do mesmo modo que o quilombo da Carlota coincidiu com a exaustão das minas de Mato Grosso. Os quilombos tiveram, pois, um momento determinado, como assinalou Edison Carneiro (3) Nota do Autor. O Quebra-quilos, rebelião primitiva que é, oferece entretanto dificuldades de comparação com revoltas negras. Não é uma revolta de escravos e, sim, de homens livres. Aparecem negros e mulatos entre os quebra-quilos, porém a liberdade, tão desordenadamente procurada com a destruição de papéis cartoriais, é mais consequência do que causa.

Na Paraíba, os escravos viram no Quebra-quilos a oportunidade de sua redenção. Raimundo Teodorico José Dornelas, pernambucano que, em 1874, residia em Campina Grande, muito detalhadamente, nos autos das perguntas, que lhe foram feitas por Caldas Barreto, narra que: "no dia vinte e nove forão cercadas as casas do sitio Timbauba, distante duas legoas desta cidade, por um grupo de trinta a quarenta escravos todos armados; n'essa casa achava-se ele, respondente, com a sua familia e foram forçados pelos mesmos escravos a vir a esta cidade com outras pessoas onde se achavam em Timbauba, para onde se haviam refugiado receiosos dos sediciosos, a fim de lhes entregar o livro da liberdade, que eles forçados como estavão prometterão entregar; que na viagem vinhão as pessoas de Timbauba montadas à cavallo, tendo a anca um escravo armado e que encerrava a marcha o famigerado escravo Firtnino, criminoso de morte e de propriedade de Alexandrino Cavalcanti de Albuquerque, prompto a disparar a arma sobre aquelle que correse; que chegando a esta cidade pelo estado declarado, forão levados até d'elle respondente e ali se apoderarão os mesmos escravos do livro de classificação de escravos e levarão ao dito Vigário Calisto para lel-o, por ser pessoas em que elles

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