queremos a todo o transe ignorar em nossa classificação linguística o desenvolvimento diversificador que, por influências múltiplas, ainda se foi operando no correr dos últimos séculos.
Ora, os estudos da língua tupi nunca terão base verdadeiramente científica, se nos obstinarmos em não tomar conhecimento:
1. Das características peculiares ao ramo guarani de um lado e ao tupi do outro.
2. Das três fases bem delineadas na transformação histórica da língua tupi: o tupi propriamente dito, o nheengatu colonial e o nheengatu moderno.
a) O tupi é a língua fixada pelos jesuítas no primeiro século da catequese, na plenitude da sua individualização original, da pobreza do seu vocabulário e da opulência dos seus recursos em face à civilização.
b) A língua geral ou nheengatu colonial é o desenvolvimento do tupi entre os mestiços e no intercâmbio, sob a influência crescente da língua portuguesa e da colonização.
A sua feição nórdica, que provavelmente diferia em alguns pontos da meridional, nos é revelada no Dicionário Português e Brasiliano e Brasiliano-Português. [Gabriel Soares de Sousa já pertence a esta fase.]
c) O nheengatu é a língua gerai moderna, no estado a que ficou reduzida na bacia Amazônica e que vem sendo estudada de cem anos a esta parte.
O tupi dos séculos XVI e XVII é o verdadeiro tupi para quem quiser, não fantasiar, mas estudá-lo metodicamente, porque é o único fixado diretamente entre os tupis e possui literatura da época, embora limitada. Pode ser estudado comparativamente, dentro do mesmo ciclo, porque temos não apenas textos tupis, colhidos simultaneamente por elementos de várias nacionalidades em regiões diversas, mas também a opulenta documentação guarani do Sul do Brasil e do Paraguai
Do nheengatu colonial, a língua geral popular, só temos conhecimentos gerais sistematizados através do Dicionário Português e Brasiliano e Brasiliano-Português, ao qual se filia o Caderno da Língua, de frei João de Arronches. Já não é o genuíno linguajar dos tupis, mas o dos mestiços de toda a sorte, principalmente do Norte, onde o citado vocabulário foi coligido. Muitas palavras se apresentam deformadas e a gramática vai perdendo a sua estrutura. Os neologismos e certas expressões vão se despindo do seu caráter indígena; a influência do português avoluma-se. É um tupi na primeira fase da sua progressiva decadência, da qual nem textos possuímos. Denominamo-lo brasiliano.