Não se conclua, porém, das nossas palavras, que nada se aproveita do léxico brasiliano. Tanto os dicionários citados como as diversas crônicas coloniais, principalmente a de Gabriel Soares, trazem termos que não vêm consignados no Vocabulário da Língua Brasílica, dos jesuítas. Muito critério e as devidas reservas devam, no entanto, presidir à sua utilização.
Um fato singular e ainda não apontado precisa, entretanto, ser posto em relevo:
O Dicionário Português e Brasiliano contém algumas peculiaridades nitidamente guaranis, embora isoladas.
Como se explicam tais enxertos?
Em nosso Tupis e Guaranis já mencionamos que, no Maranhão, existem duas tribos do ramo guarani: os guajajaras e os tembés, que devem ter sido muito numerosas, visto como sobreviveram até os nossos tempos. Nos contos mitológicos dos tembés recolhidos por Curt Nimuendaju há mesmo referências ao seu primitivo habitat, situado muito mais ao sul. Outros, como frei Cláudio d'Abbeville, souberam ainda das suas dilatadas migrações de meados do século XVI.
Enquanto outra sugestão mais convincente se não impuser, tais divergências de ressaibo guarani devem ser postas em conta desse velho quisto dialetal do Sul, quando não dos paulistas, cujo linguajar, pela proximidade ao Paraguai, sofreu certamente influências idênticas.
De forma alguma a língua tembé ou guajajara pode ser incluída no ramo tupi, só porque as suas tribos encalharam no Brasil colonial no curso da mais extensa e definitiva das suas migrações. Um ou outro dialeto amazônico deve estar no mesmo caso.
É pena que não tenhamos também um dicionário do tupi setecentista falado de Pernambuco a São Vicente, para servir de base a comparações com o do Dicionário Português e Brasiliano. Seria um estudo interessante que elucidaria numerosos problemas lexicológicos e até etnológicos. Mas, não cremos tenham sido muito grandes as diferenças. Até certo ponto essa lacuna é preenchida pelo vocabulário heterogêneo e mal transcrito na Crestomatia da Língua Brasílica de E. Ferreira França.
O nheengatu moderno é o que se nos depara nos compêndios de Seixas, Faria, Sympson, Couto de Magalhães, Barbosa Rodrigues, Costa Aguiar, Parissier, F. Costa, Tastevin, Stradelli, Amorim, Fernandes, Hartt etc.
Constitui um exemplo vivo do rápido aviltamento a que pode chegar uma língua na boca do alienígena. Por melhor se conheça o nheengatu moderno nunca se chegará com ele a dissecar duas linhas de tupi!
Como se conclui da série de autores enumerados acima, a documentação e os textos nheengatus são, entretanto, numerosos e interessantes.