Depois dessa perfunctória caracterização das três fases historicamente documentadas, poderá alguém vacilar na escolha da que deva servir de base aos estudos da linguística tupi? Cremos que não. Por todos os títulos a preferência cabe à língua fixada pelos jesuítas, na íntima convivência com os indígenas, ao verdadeiro tupi.
O nheengatu colonial (o brasiliano) e o nheengatu moderno servirão de complemento, de ilustração nos estudos comparativos.
Para nós a divisão histórica do tupi em três fases foi tomando contornos mais nítidos desde a publicação do Vocabulário na Língua Brasílica, dos jesuítas, que, a despeito das suas falhas, tornou possível o início de confrontos.
Teodoro Sampaio não teve essa ventura. Trabalhou afanosamente sem dicionário tupi e numa época em que as desmedidas ideias unitárias a respeito das línguas ou dialetos tupi-guaranis eram tabu inviolável.
Na parte etimológica propriamente dita, as alterações morfológicas dos étimos rara vez têm a influência traiçoeira que apontamos, por exemplo, na interpretação do termo ygarapaba (ygarupaba), da anotação 204. O mesmo não acontece nos capítulos introdutórios de O Tupi na Geografia Nacional. Ombreiam ali formas tupis, guaranis e nheengatus sem a mínima distinção e, na parte gramatical, tão divergente em certos casos, nas três entidades citadas, essa indiscriminação engendrou verdadeiras heresias.
Fiando-se demasiadamente das afirmativas de Varnhagen, Couto de Magalhães, Batista Caetano e Barbosa Rodrigues, de um lado e, do outro, estribado imprudentemente no tupi decadente do Dicionário Português e Brasiliano, Teodoro Sampaio descurou lamentavelmente o estudo comparativo das Artes jesuíticas. Tomou o atalho menos aconselhável em jornadas como a sua: colheu sem método; deu preferência ao que estava mais à mão, ou àquilo que lhe parecia ilustrar melhor uma afirmativa, sem preocupar-se com a procedência.
O resultado foi uma colcha de retalhos desnorteante, de consulta perigosa: nos ensinamentos, na exemplificação e nas conclusões.
Entretanto, se Teodoro Sampaio foi vítima dos seus inspiradores unitários, num ponto superou todos quantos o precederam no estudo etimológico dos termos geográficos: no exame do seu desenvolvimento histórico.
Não poucos nomes seriam totalmente indecifráveis, se os velhos documentos não nos revelassem as suas mais recuadas formas. Nesse tentame o historiador redimiu o linguista.
Cidade do Salvador, janeiro de 1955.
FREDERICO G. EDELWEISS.