estatísticos (especialmente sobre os manjacos), foi alastrando a sua área de investigação para toda a Guiné e para além dela, chegando inclusive, posteriormente, a publicar dois estudos sobre Angola. Com efeito, o deslocamento constante derivado das inúmeras atividades que exerceu, possibilitou-lhe um conhecimento bastante preciso do território guineense. Carreira conhecia como ninguém aquela terra, pois pisou-a palmo a palmo durante os 43 anos em que lá viveu. O seu espírito inquieto conduzia-o porém a trilhar por terras mais distantes: Senegal, Costa do Marfim, Daomé, Togo, Gana, Nigéria e ex-Congo belga. Nessas digressões, algumas das quais realizou como participante em reuniões sobre antropologia cultural ou sociologia, ia construindo uma ideia mais global e abrangente sobre o continente negro. Todavia, esta visão que poderia ir-se também dimensionando teoricamente, nunca chegaria a tal equilíbrio. Mesmo tendo passado pelo curso de Altos Estudos na antiga Escola Superior Colonial (1946-1949), que não lhe omitiu certamente a necessidade de enquadramento teórico dos assuntos, Carreira, por opção ou por deformidade própria da autodidaxia, jamais alcançou este nível de abordagem em suas obras.
Como era inevitável, pelo meio e época em que viveu, António Carreira travou conhecimento com várias personalidades que sobressaíam nos primórdios da resistência colonial, quer no domínio político como no cultural. Mas, ao que me consta, a sua atuação concentrou-se sempre neste último campo, eximindo-se de qualquer alinhamento essencialmente político (no sentido estreito do termo). Não era homem de partidos.
Já contando com uma certa maturidade no domínio da investigação, lançou-se em trabalhos sobre Cabo Verde. Foi em 1965 que publicou o seu primeiro artigo sobre as Ilhas, e isto já estando em Lisboa. Daí para frente foi o objeto privilegiado a que se debruçou. O largo conhecimento que tinha sobre a costa ocidental africana lhe seria precioso para o enquadramento histórico do Arquipélago que, como se sabe, só pode ser entendido no contexto da exploração do continente africano. Muitas (ou quase a totalidade) de suas publicações nesta segunda fase revelam, pelo conteúdo ou simplesmente pelo título, a indissociabilidade da parte insular da continental. E não poderia ser de outra forma já que, inclusive, as duas áreas permaneceram unidas administrativamente até o século XIX.
Voltaria Carreira inúmeras vezes a Cabo Verde em busca de fontes que pudessem elucidar alguns de seus estudos. Embora não contando com condições ideais de trabalho, devido ao estado precário em que se encontrava a documentação (espalhada por todas as ilhas, e sem a mínima organização) conseguiu inventariar parte dela e levar ao conhecimento do público muito do que pôde apurar.
Os estudos referentes ao Brasil (como este) seriam como que um desdobramento natural para a compreensão daquela(s) área(s), já ao nível das relações comerciais triangulares criadas pelas metrópoles europeias.