ceia, a gaia ciência dos banquetes letrados, onde tudo era revisto, comentado, exposto: medicina, direito, poética, retórica, filosofia, teatro, viagens. Foi este o nome do mais sedutor repositório de informações sobre a cibária dos gregos, quinze livros de Ateneu (fins do II e princípios do III século depois de Cristo), Deipnosophistai, os sábios ceando e discutindo. Restam-nos quase todos, exceto os dois primeiros, uma parte do 3.° e do último, suficientes para a visão da sabedoria disputadora dos sábios e a revista dos vários alimentos favoritos, com as respectivas receitas e louvores. Eça de Queirós fez um movimentado resumo do Deipnosophistai na sua "Cozinha arqueológica".
Com a Igreja Católica, a gula torna-se pecado capital. Jejuns, abstinências, evitação dos prazeres da mesa são recomendações constantes. No século XIII, Dante Alighieri sacudiu o pobre Ciacco, pela dannosa colpa della gola, no terceiro círculo do Inferno, sob a chuva eterna, maladetta, fredda e greve, culpado do repugnante excesso da gastrimargia, ou ventris ingluviae, como definia o Papa São Gregório Magno. É verdade que presentemente o pecado de Ciacco il n'y a que faute de soi légère, c'est-à-dire faute simplement vénielle (270) Nota do Autor.
Na Idade Média viveram os goinfres gloutons, goulus, devoradores, insaciáveis, vorazes de todo o cibo. O Renascimento é uma revolução culinária pelas especiarias, frutas, modos raros de condimentar carnes e peixes. Navegação. Imprensa. Viagens.
Os livros não reaparecem. A bibliografia vai perdendo altura e ficando no nível dos fornos. Caçadas senhoriais, lombos de javalis, veados, fileira de porcos, bois inteiros, assando; trompa de caça, ladrar da matilha fidalga, falcões, fantasmas que cumprem penitência caçando nos bosques. As receitas multiplicam-se, vindas do Oriente, do fundo das idades, esquecidas pelo homem ocidental.
No século XIV, na segunda metade, reinando Carlos V, le sage, de França, surge o Le ménagier de Paris, primário, reduzido mas coletando o que restava do bom-comer naquela época tumultuosa. Cem anos depois é que se lê Le viandier, de Taillevent, 1490. É um profissional esse Guillaume Tirel, dit Taillevent, o mais afamado queux de Filipe V e finalmente, em 1488, premier ecuyer de cuisine du Roy. É dessa época o primeiro e legítimo guardanapo. Pouco usado, aliás. Como seria um festim nobre no século XV? O Bancquet de monseigneur d'Estampes considerava-o o próprio Taillevent comme un modèle. Robert II de Estampes, ou de Stampes, senhor de La Ferté-Imbaut e Valençay, conselheiro e "Chamberllan"