História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação

feijão-mulatinho fervendo e saboreado em pratos de alumínio, com farinha de mandioca, carne ou peixe assado em postas, molho de pimenta. Dez tostões. "Vida cara, o preço era um cruzado!" protestavam os carregadores e marujos do Recôncavo.

Quarenta e cinco anos depois, a culinária baiana tem passado por uma montanha russa de altos e baixos, valorizações e penúrias, propaganda e abandono. Agora mesmo pedi a um amigo que me visitava e ia passar uma semana na cidade do Salvador, que desse uma olhada na constância das velhas iguarias. O amigo, Artur Hehl Neiva, que sabe ver e entender todas as coisas desse e dos outros mundos, escreveu-me, 29 de outubro de 1963: "Pelo que pude comprovar em minha estada na Bahia, a decadência é grande em matéria de pratos regionais, a não ser em casas de famílias tradicionais". Os Neivas são antiga e eminente família baiana.

Os populares frequentadores do Mercado e sua rampa, da feira de Água de Meninos, preferiam comida portátil, comendo e andando. Nas mesinhas via sempre feijão, peixe assado, carne torrada, farofa, laranjas, pimentas, cozidos com caldos que passavam a pirão com a farinha, posta aos punhados. Muita colher e pouco garfo. Muito ensopado de camarões e de mariscos, com batatinhas cortadas. Menos peixe cozido. Fritadas, frigideiras apareciam, camarão, ostra, siris. A frigideira de "siris moles" era manjar apetecível mas não fácil para a gente de camisa de meia e mangas curtas. Não havia "casquinhos" de caranguejos. Batatas-doces cozidas, muita. Nas barraquinhas do Bom Fim, na festa da Conceição da Praia e na feira de Agua de Meninos, o cardápio não era diferente do habitual no Mercado. O povo era o mesmo. Apenas no Bom Fim os doces eram numerosos, notadamente os bolos doces, cocadas, pé de moleque, bolo de mandioca, de batatas, de laranja em calda, vendido em tigelinhas, bolo preto, e mingau de goma, com o enfeite nodoante da canela em pó; farinha de milho e de castanha, em cartuchos de papel. Muito acarajé e acaçá, peixe frito. E ponches, geladinhos, "batidos na vista do freguês". Cachaça, "bom-pra-tudo", com cascas de laranja, de limão, sumo de maracujá e de abacaxi, canelinha, aguardente temperada com raspas de canela.

O pão era comum na cidade; food to carry, dizem na Nigéria. Mas não era indispensável como na Europa. Comia-se muita bolacha, grandes, redondas, maciças, que no Nordeste chamávamos brotes e constituem o único vocábulo holandês sobrevivente de vinte e quatro anos de domínio. Bolacha doce. Roscas de goma e de farinha-do-reino. Pão doce, pintado com açúcar

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