O fardo do homem branco. Southey, historiador do Brasil. Com um estudo dos valores ideológicos do império do comércio livre

PREFÁCIO

(de Sérgio Buarque de Hollanda)

Quando redigia sua História do Brasil, confessou Robert Southey a um amigo a íntima certeza de que esse livro não era dos que se destinam a perecer: com o correr dos séculos representaria para os brasileiros aquilo que, para os europeus, é o de Heródoto. Passados hoje mais de cento e cinquenta anos desde seu primeiro aparecimento, o prognóstico não se verificou e nada diz que deva confirmar-se nos séculos vindouros. É verdade que um autor do porte de Capistrano de Abreu, em artigo escrito para sair em apenso a uma edição póstuma da História Geral do Brasil de Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro, se refere àquele dito do inglês qualificando-o de "assomo de justo orgulho". Quanto ao sorocabano, diz que a sua obra também há de ser lida daqui a séculos, mas lida por profissionais, que o consultarão como quem consulta um dicionário de arcaísmos: "o povo", diz mais, "só o conhecerá de tradição". Parece-lhe inferior à de Southey, como forma, como concepção, como intuição, mas inferior só a essa, acrescenta.

O mal desse tipo de confrontos, principalmente se provocados por algum movimento de irritação, está em que, procurando ferir de viés o alvo, correm grande risco de erro. Pode-se perguntar se aquele "povo", que só de tradição conhecerá o livro de Varnhagen, conheceria muito melhor o de Southey. A irritação de Capistrano de Abreu, que não o impedirá de prestar elevado tributo ao visconde de Porto Seguro com o anotar copiosa e conscienciosamente sua obra-mestra, teria sido despertada, talvez, pela injustiça, "injustiça flagrante", escreve, com que, sob a capa de louvores bem estudados, nela trata a contribuição de seu antecessor. Varnhagen não foi um espírito ameno e, como temesse sempre que alguém pudesse fazer sombra aos seus altos méritos, costumava tolerar mal oficiais do mesmo ofício. O que nos resta de sua correspondência

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