Quando seriamente começou de aproveitar o Brasil, que outras potências ambicionavam, Portugal não contava já façanhas quais as de Affonso de Albuquerque e João de Castro. A idade heroica recuava diante a onipotência do absolutismo.
Daí resulta qual devera ser o espírito dos emigrantes. O espetáculo, que na metrópole viram, era o de um desfalecimento silencioso. O mundo, que se lhes abria, saciava-lhes a sede de ouro, que a terra pródiga oferecia. Ora, uma sociedade formada por indivíduos, não só de ínfima classe em grande parte condenados, como de ambiciosos de dinheiro ganho sem o santificado suor do trabalho, uma sociedade tal considera a indolência felicidade, a rapacidade indústria, a moeda riqueza, a ignorância virtude, o fanatismo religião, o servilismo respeito, a liberdade de espírito um pecado que se expia na fogueira, e a independência pessoal um crime de lesa-majestade.
E era assim.
Esquecei, por um momento, que se trata da terra da pátria, e deixai falar a história. O ouvidor, o capitão-mor, o governador, o vice-rei, não ferem os ouvidos hoje com o som dos grilhões? Não recordam a tétrica expressão do carcereiro e do algoz? Não projetam a sombra lúgubre da cadeia e do cadafalso?
Mas, eu não recordei ainda o elemento mais triste que entrou na envenenada composição dessa sociedade, a escravatura, não só a escravatura dos indígenas, como depois a dos africanos importados. Alteração completa da ordem natural do trabalho, e maior corrupção dos costumes, eis os próximos resultados do novo elemento.
Quem correr os olhos pelas memórias que desse tempo nos legou o grande orador, padre Vieira, ou assistir à exumação laboriosamente encetada no Jornal de Timon, esse verá muitas vezes o sangue inocente nodoar as sombras da longa e silenciosa noite do nosso passado.