Raízes do Brasil

além disso se acreditou, mal ou bem, que o coração é sede dos sentimentos, e não apenas dos bons sentimentos, minha nova explicação, ao lembrar que a inimizade "bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração", seria, se v. quiser, uma ampliação, não seria uma retratação.

E se fôssemos entrar nas sutis discriminações que v. reclama, então precisaríamos renunciar ao verdadeiro significado da palavra excelente, por exemplo, ou da palavra ilustre, já que comparecem com tão abusiva frequência nas fórmulas, amáveis ou agressivas, onde já se apagou tal significado, como excelentíssimo etc. ou ilustríssimo etc.

Não, meu caro Cassiano Ricardo, o significado que dei à palavra cordial não o fui buscar, Deus me livre disso, na noite dos tempos. Nem tentei torcer seu valor semântico ou histórico para acomodá-lo às minhas antigas e novas ideias, que ao menos neste ponto — e já é muito — se ajustam perfeitamente entre si. Os seus dois sentidos a que aludi coexistiram sempre, ao que eu saiba. E não apenas no Brasil. Mesmo como fecho de cartas eles não deixam de surgir em outras terras e outras línguas (cordialement, herzlich, heartily...), sem prejuízo notório para seu significado real.

Cabe-me dizer-lhe ainda que também não creio muito na tal bondade fundamental dos brasileiros. Não pretendo que sejamos melhores, ou piores, do que outros povos. Mas qualquer discussão sobre este tópico envolveria divagações em volta de critérios forçosamente subjetivos, sem resultado plausível.

Por fim quero frisar, ainda uma vez, que a própria cordialidade não me parece virtude definitiva e cabal que tenha de prevalecer independentemente das circunstâncias mutáveis de nossa existência. Acredito que, ao menos na segunda edição de meu livro, tenha deixado este ponto bastante claro. Associo-a antes a condições particulares de nossa vida rural e colonial, que vamos rapidamente superando. Com a progressiva

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