Os sertanejos que eu conheci

pertencido a duas ou três gerações. Mais comuns, até agora, a espingarda "de pedra" e a garrucha, contemporâneas talvez dos bandeirantes. Vimo-los servir-se, em pleno século XX, do antiquíssimo bacamarte e até do "boca-de-sino", ou tromblon francês, que traziam a tiracolo os soldados de Villegagnon!

Felizmente os sertanejos lembram-se dos antepassados, os índios, que com o sangue lhes transmitiram admiráveis instintos de esperteza e bravura. Arcos e flechas ainda são utilizados e altamente apreciados, além da zagaia, de que falaremos mais adiante, e de um sem-número de armadilhas e táticas, que lhes permitem efetuar proezas cinegéticas, capazes de fazer pasmar os melhores caçadores do mundo civilizado.

Passemos agora às caçadas e falemos primeiro das caçadas defensivas. As principais são: as da onça, do jacaré e do sucuriú.

É na luta contra a onça que o sertanejo manifesta mais audácia, sangue-frio e habilidade. É ato essencialmente de defesa, visto que o terrível felino, em certos recantos, chega a dizimar, extinguir até, o pouco gado e animais dos moradores isolados, acabar com suas criações domésticas, aniquilar ou, ao menos, afugentar muitas caças das vizinhanças dos sítios. Se o sertanejo não reage contra as suas primeiras ousadias, as onças continuam a devorar até o último dos bezerros, poldrinhos e porcos. No tempo de desova das tartarugas nas praias, as onças devassam-lhes as covas, retirando muitas dúzias de ovos, tão apreciados pelos ribeirinhos.

Há onças-pintadas ou jaguarés, onças-pretas ou tigres, onças-vermelhas ou suçuaranas; todas perigosas. Para combatê-las os sertanejos criam especial raça de cães, chamados "onceiros", de miserável aspecto e de tamanho ordinário, dotados, porém, de particular instinto para lutar contra essas feras. Farejam e rastejam até descobri-las e segurá-las acuadas com latidos violentos e obstinados, enquanto se aproximam os caçadores.

O sertanejo, com efeito, nunca empreende sozinho essa luta tremenda; chama sempre um ou mais vizinhos e todos executam juntos arriscadas manobras, de costume, bem-sucedidas. Informados da presença da onça pelo voo de urubus a indicar o ponto em que se acha alguma vítima recente, sabendo também por experiência que a fera há de voltar certamente à carniça para fartar-se, dirigem-se ao local presumido e põem-se a incitar os onceiros. Estes não demoram em descobrir o inimigo e de tal modo o apertam com latidos furiosos que o obrigam a

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