Os sertanejos que eu conheci

largar a presa e trepar numa árvore, ou pelo menos, a recostar-se num tronco, pedra ou cupim, e nessa posição enfrentar os raivosos e incansáveis perseguidores.

O formidável e prolongado barulho avisa e guia de longe os caçadores. Correm, aproximam-se com cautela, o que faz a onça enfurecer-se mais ainda. Se ela tiver conseguido trepar no alto de uma árvore, breve e facilmente um simples tiro terminará a luta. Se, pelo contrário, a fera se mantiver no chão, recostada em algum apoio casualmente encontrado, a manobra será diferente. Atirar nela de longe ou de perto seria correr o risco de ferir ou matar algum dos preciosos cães com ela atracados. O recurso, então, é a zagaia.

Os caçadores avançam, um segura sólida forquilha, outro, com um facão fixado numa haste de pau, excitam o bicho acuado, obrigando-o, no desespero da raiva e do medo, a levantar-se nas patas traseiras para enfrentar os agressores. Nesse momento patético, um dos atacantes prende e segura a goela do monstro entre os dentes da forquilha, enquanto o companheiro afunda a terrível lâmina da zagaia no coração da fera, prostrando-a sem vida.

Conhecemos nos campos gerais do Norte de Goiás, um velho casal que, durante muito anos, realizou essa proeza. Mais de cinquenta onças o velho Severo contava ter exterminado com a simples zagaia bem afiada, e auxiliado unicamente pela esposa que se encarregava de prender com a forquilha a cabeça da fera. Desse longo passado de valentias, tão benéficas para toda a região circunvizinha, a velha Dona Joaquina conservava, como recordação gloriosa e indelével, enorme cicatriz no rosto. Gostava de repetir-nos como o rei da floresta, certo dia, por pouco, ter-lhe-ia arrancado o maxilar, num daqueles encontros memoráveis.

Já que estamos tratando, aqui, de caçadas, devemos acrescentar alguns detalhes a respeito dos cães do sertão. Em geral, eles não necessitam de adestramento; os onceiros, porém, são educados de modo particular e mantidos "em forma" por meio de certo regime estranho, duríssimo e até cruel, contra o qual certamente protestariam os membros da Sociedade Protetora dos Animais, se por acaso tivessem conhecimento do que vamos contar.

Primeiro, é o regime constante da fome. Nunca os sertanejos se preocupam da alimentação dos cães; deixam-nos procurar por si o seu alimento em redor do sítio. Infelizes, porém, se tiverem a ousadia de furtar alguma carne em casa ou matar

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