Escravidão Negra em São Paulo

Um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX

algum trama contra nós, em razão de descubrirmos, que elles nocturnas, e escandalozamente se comunicavão huns com os outros aonde depois de comerem e beberem juntos para poderem iludir a aquelles dos quais os capitaens não confiavam oplano, alguns delles se apartavam, e hião para diversas partes conferinciar com outros de confiança: sabendo nos tudo isto, e depois de hum ajuntamento nocturno que elles fizerão no Engenho de Donna Ana Franca na noite do dia sabado, vinte e oito do mez de Janeiro proximo passado, assentados nós de comum acordo de n'um mesmodia chamar mos alguns dos nossos escravos, aquelles que nos parecião mais habeis, e capazes de alguma empreza e obriga-los a que por via de promessas a huns, e de castigos a outros nos declarassem a que se destinavão as suas viagens nocturnas, e quaes erão os fins de semelhantes ajuntamentos.

Postos pois em perguntas no mesmo dia e seguintes em trez engenhos, e depois de algum castigo confessarão alguns dos meus escravos, e outros de Theodoro Francisco de Andrade:

1.°) Que para ficarem libertos se comunicavão com o preto João Barbeiro, que então morava nesta villa, e que foi prezo e remettido para a cidade de São Paulo por ser cabeça do Levante, que não se fez pela Pascoa, e que o tal negro João era forro.

2.°) Que as ordens do dito João Barbeiro são trazidas da Cidade por hum escravo tropeiro de Joaquim Jose dos Santos, chamado Marcelino.

3.°) Que este as comunica a hum escravo de Teodoro Francisco de Andrade, chamado Miguel, o qual deve ser comandante dos escravos da beira de Atibaia.

4.°) Que em cada Engenho há um negro que lhe capitam, ao qual todos obedecem.

5.°) Que já tem algum dinheiro em caixa, para qual concoria cada negro com trez, duas e ahe com huma pataca, e que este dinheiro esta na mão de outro escravo de Joaquim José dos Santos, chamado Diogo.

6.°) Que todas, as participações de huns para outros Engenhos se fazem de noite em animais dos mesmos senhores e dos carpinteiros que se achão trabalhando no Engenho.

7.°) Que nem todos os escravos são sabedores das participações que vem da Cidade e que os de Nasção Monjolo, e congo são os mais influentes.

8.°) Que alguns confeção que para o levante projectado para a Pascoa, que elles vierão promptos, com suas zagalhas metidas, dentro de porungas mas que o levante não se efetuou por ordem do comandante.

Tendo levado ao conhecimento de Vossa Senhoria a fiel narração do que tenho descoberto, e bem que não tenho dado este negócio por concluido, vista a delicadeza delle, com tudo acho do meu dever comunicá-lo, quanto antes a Vossa Senhoria, não só para que Vossa Senhoria tome as medidas que achar convenientes, como tão bem para levar ao conhecimento do Excelentíssimo Senhor Prezidente com a brevidade possivel, visto que o cabeça João Barbeiro existe na capital, e parece que elle deve ter promovido pelas outras villas da Provincia amesma desordem.

Deos guarde a Vossa Senhoria. Villa de São Carlos trez de fevereiro de mil oito centos trinta e dous.

Illustrissimo Senhor Capitam José da Cunha Paes Leme Juiz de Paz desta villa Antonio Francisco de Andrade = Pela Rellação junta verá Vossa Senhoria os Negros que neste Bairro pertendião fazer a revolução, e só não pertencem a este Bairro os da Fazenda Rio das pedras = Tucuaral — Monjolinho, e São Bento, de quais Fazendas devem contar que são os comandantes dos outros Bairros, visto que os meus escravos, e do Alferes Teodoro, dizem cada Bairro tem seu comandante, e que só conhecem aquelles que cujos nomes vão na rellação; por isso Vossa Senhoria, fara as diligencias que lhe parecer acertadas.

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