cum grano salis, pois se os negros, em boa parte trazidos das minas quase exauridas, ainda seriam em pequena quantidade naqueles tempos já distantes em confronto com os de províncias onde prosperavam os engenhos, não deveriam ser tão poucos numa terra que, a bem dizer, não os tinha ainda. Não se lembrava o futuro "patriarca" de como em 1783, ano de sua partida para Coimbra, só em casa do pai havia 33 escravos, que é o total assinalado nos mapas de população da vida de Santos? Parece um esbanjamento de escravos quando se sabe que Bonifácio José de Andrade, ainda que pessoa de largos haveres para Santos, e a segunda fortuna da vila, não era, ao que se sabe, agricultor, contentando-se com profissão bem mais modesta, a de "mercador", que assim se registrava e que nos próprios textos oficiais da época era tida em baixa conta.
Quinze anos depois, quando já começara a produção de açúcar na província, um engenho com 30 escravos não se considerava estabelecimento rural secundário. Os maiores chegariam a ter 60 pretos e um pouco mais, tanto que é extraordinário um caso como o de José Manuel de Mesquita, que em seu engenho de Itu, então o maior centro açucareiro da província, chegou a ter 73 escravos em 1798. O mais notável é que nenhum desses negros tinha mais de 40 anos de idade, e apenas quatro tinham menos de dez, sendo a média de idade de toda a sua escravatura de 18, 19 anos. O caso se torna mais interessante quando se sabe que, de acordo com as definições legais do que fossem "peças da Índia" ou peças de Guiné, aplicáveis em geral aos escravos pretos de qualquer procedência, cada peça deveria ter, no mínimo, 15 e no máximo 25 anos, que seria assim a época em que seriam eles mais aptos para o trabalho e recebiam maior avaliação. Além ou aquém dessa fase ideal seriam precisos, conforme os casos, três negros para perfazer duas "peças", e até dois para uma peça. Os que tivessem mais de 45 anos não eram sujeitos a qualquer avaliação fixa, devido à presunção de que seriam imprestáveis para o trabalho, de sorte que seu custo dependia de ajuste particular entre comprador e vendedor. Resulta, pois, que a média de idade da escravatura do engenho ituano de Mesquita, em 1798, a saber perto de 19 anos, se situava exatamente no optimum determinado pelas leis que definiam o que fossem as peças da Índia. Se algum escravo alcança 40 anos, nenhum chega à idade em que pode considerar-se incapacitado para o trabalho, ainda que essa presunção deva ser aceita em termos, pois há sempre onde empregar os que já suportam mal o esforço árduo do fabrico do açúcar e da plantação de cana. Por outro lado, se outros, em pequeno número, têm menos de 15 anos, a idade em que um escravo já basta para representar uma peça, todos alcançarão esse limite brevemente, e também não falta, num engenho, trabalho para os de menor idade. Como teria sido possível a José Manuel de Mesquita praticar esse tipo de seleção? A resposta deve estar nisto: além da sua propriedade rural, tinha ele negócio de