Escravidão Negra em São Paulo

Um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX

venda de escravos, que ia comprar no Rio de Janeiro, sem falar na tropa de bestas de carga que sustentava no caminho de Santos. Isso lhe dava a possibilidade de renovar constantemente a escravatura e desfazer-se dos pretos já menos aptos ao trabalho.

Um sinal de que, não obstante os seus exageros, José Bonifácio não deixava de ter boas razões ao relacionar a crescente introdução de cativos em sua província com o desenvolvimento dos engenhos de cana, pode encontrar-se, por exemplo, nos dados estatísticos disponíveis sobre o trabalho artesanal. É sabido que nas províncias brasileiras de numerosa escravatura, os ofícios manuais, chamados "mecânicos", eram exercidos exclusivamente, ou quase sem exceção, por negros e mulatos; e em Pernambuco, por exemplo, segundo o testemunho de Loreto Couto, ser branco era o mesmo que ser nobre. Em tais condições, não admira que os brancos ou que se presumem brancos, fugissem de exercer um ofício que, pela legislação portuguesa, derrogava a nobreza, de sorte que os trabalhos manuais ficavam confinados a indivíduos de cor. Ora, segundo os recenseamentos de 1765, data em que José Bonifácio completa dois anos de idade, os maços de população da cidade de São Paulo, mostram como 75% dos "mecânicos" ali existentes ainda eram "brancos", e 18% negros e mulatos, ao passo que os restantes, isto é sete por cento, figuram como "bastardos", palavra que, então, servia para designar mestiços de índio com branco. Passando-se para o ano de 1822, no limiar da Independência, quando a lavoura canavieira entrara em seu apogeu, quase se invertem as proporções; 60% dos "mecânicos" recenseados nos maços de população constituem-se agora de pretos e pardos. Os "bastardos" já não são mencionados nos arrolamentos, talvez porque tenham sido assimilados aos "brancos", ou porque se confundiam com os pardos.

Nas décadas seguintes passa a ser contínua a introdução de africanos e pretos crioulos em São Paulo, e eram trazidos ora do Rio de Janeiro e outras províncias mais ao norte, ou importados diretamente da África, e há mesmo notícia de desembarques clandestinos de africanos em portos paulistas, mesmo depois de decretada, em 1850, a extinção do tráfico negreiro. Como quer que seja, a incipiente lavoura cafeeira na bacia do Paraíba, que repete e prolonga as condições reinantes na província fluminense, e os engenhos de cana, que se disseminam principalmente numa área que, para Oeste, chega pouco além de Campinas, não são suficientes para dar a São Paulo um lugar de maior eminência entre as áreas onde prevalece o emprego do braço escravo. E é muito provável que, como atividade econômica, a lavoura, tanto do açúcar como do café, ainda não tivesse meios de desafiar a importância, como fonte de lucros, do comércio de animais, que os tropeiros iam buscar no Rio Grande e mesmo entre os "castelhanos" do Prata, para negociá-los nas feiras de Sorocaba. O tráfico interprovincial, que nunca deixou de ser praticado, não se

Escravidão Negra em São Paulo - Prefácio 13 - Thumb Visualização
Formato
Texto