Escravidão Negra em São Paulo

Um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX

torna, contudo, o veículo único para a introdução em escala maior de escravos, senão depois de 1850. É a época em que os cafezais começam a avançar largamente para Oeste, onde as manchas intermitentes de "terra roxa", singularmente aptas para essa lavoura, se vão descortinando. O processo, entretanto, é lento, enquanto a construção de estradas de ferro naquela direção não permitir o abandono do transporte do produto em tropas de muares, que torna antieconômico o cultivo do café para além de Rio Claro. A substituição começa com a linha da São Paulo Railway, entre Santos e Jundiaí, concluída em 1867, e prossegue, a partir de 1870, com a da Companhia Paulista, seguida quase imediatamente da Mogiana. Em 1883, os primeiros trilhos alcançam em Ribeirão Preto uma área excepcionalmente fértil, mas já então está para iniciar-se a introdução em massa de imigrantes assalariados, geralmente procedentes da Itália e pouco depois, em 1888, vem a Abolição, num momento em que a importação de novos escravos já estava sendo cerceada pela supressão do tráfico interprovincial.

A quem procurasse discriminar segundo a procedência o elemento negro introduzido nas diferentes épocas em São Paulo pareceria verossímil supor que, enquanto prevaleceu o tráfico transoceânico, a situação ali não tinha por que ser diversa da que se deu nas demais províncias onde, salvo por algum tempo a Bahia, os bantos forneceram os maiores contingentes de escravos. A partir de 1850, no entanto, quando o suprimento de negros passa a depender exclusivamente do tráfico interno, o afluxo da escravatura de procedência baiana ajudou aparentemente a engrossar a proporção de sudaneses. Que perspectivas, porém, ofereceria um estudo de tal problema, mesmo se dispuséssemos de informações estatísticas a respeito? A verdade é que o infortúnio comum tende cada vez mais a irmanar a multidão de cativos pertencentes aos grupos tribais mais heterogêneos, triunfando sobre a cordura e passividade dos mais timoratos, e em todos despertando o sentimento de revolta latente no escravo. É significativo que os apelidos de boa parte dos cabeças de motins de escravos que se assinalam em São Paulo — Congo, Angola, Monjolo... — permitem acreditar que aquele sentimento de revolta se generalizou também entre elementos que, segundo opinião corrente, se distinguiam pela mansuetude e docilidade. Foi essa verificação o que levou felizmente a autora a desviar sua atenção para um tema bem mais fecundo, o da suposta resignação do escravo diante a um regime alicerçado na injustiça e na violência, e assim a denunciar um clichê em que ainda se comprazem muitos historiadores.

Em suas origens, que remontam no Brasil aos tempos da colônia, essa mitologia do negro resignado e dócil parece surgir como imagem invertida da idealização, e idilização, dos antigos naturais da terra, que ganha corpo sobretudo quando o índio, já dizimado, ou mesclado ou afugentado para brenhas longínquas, deixa de representar

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