Havia a bordo tipos de todas as nacionalidades. Entreguei-me, por alguns dias, à tarefa de observá-los, apesar de não ser poliglota e, por isso, não seria pelos seus idiomas que os identificaria. Alguns passageiros jogavam o dia inteiro e nunca deixavam de se desavir a ponto de parecer estar iminente uma luta corporal; à mesa, enchiam os pratos com tudo que se achava ao alcance das mãos, disputavam a comida aos criados, sem se importar com quem estivesse sentado por perto, nem com os olhares de admiração e censura despertados por seus gestos de canibais; após as refeições iam para o tombadilho e ali tiravam as chinelas ou sapatos para se porem mais a gosto nos bancos; outros preferiam caminhar a largos passos, de mãos nos bolsos, abalroando com os companheiros sem lhes pedir desculpas; falavam e riam-se pouco, ao contrário dos passageiros de outra nação, que tagarelavam e davam gargalhadas a propósito de tudo, dirigiam perguntas a cada instante ao capitão do navio, aos marinheiros, aos grumetes, curiosos do estado do tempo hoje e amanhã. Se estes costumavam passear de forma moderada, aqueles estavam sempre em movimento.
Em todos os recantos do vapor, onde era possível conseguir-se meio de improvisar um leito, havia gente a cochilar, fosse perto da chaminé, da ponte ou dos cordames. Alguns indivíduos faziam-se notar por um constante sono. Eram pobres colonos alemães que, sugestionados por promessas nem sempre objetivadas, iam ao novo mundo procurar uma riqueza, nem sempre a todos proporcionada. Voltarei a falar mais tarde deste triste assunto.
E o vapor ia avançando na sua rota. O tempo estava muito frio. A Mancha e o golfo de Gasconha envolviam-se nos seus nevoeiros e evocavam os seus frequentes temporais. De mim, confesso, aguardava impaciente a latitude mais suportável de Lisboa a fim de gozar a temperatura agradável que tanto me gabavam; uma vez, chegando-se