Dois anos no Brasil

contrastava, na sua inalterável simplicidade, com o brilho da recepção.

Desaparecido o cortejo, minha admiração por Lisboa extinguiu-se como por encanto. Atravessei ruas escuras e desertas. A maior parte delas em ladeiras que carros puxados a bois sobem penosamente, enquanto as rodas entoam um canto nasalado ouvido de longe. Fui à cidade alta e de lá pude melhor julgar o aspecto panorâmico de Lisboa: por toda parte casas velhas em torno dos palácios. Ainda se veem ruínas ameaçadoras que são vestígios do terremoto de 1745; no entanto, essas paredes inseguras abrigam famílias pobres. Sem conhecer o português, não me foi possível indagar se esses pesados veículos, arrastados por mulas e guiados por postilhões de botas de montaria, eram fiacres ou carruagens burguesas; de qualquer modo, não são nada convidativos. Mudara-se em decepção meu desejo de vir a terra para apreciar a única capital da Europa não conhecida ainda. Ao regressar a bordo, e enquanto o vapor descia o Tejo, sem me importar com o famoso romance, meti-me no camarote, amuado com todo o mundo, com o passado, com o presente e, principalmente, com o meu sapateiro, que me fizera umas botinas apertadas, certamente para que não me esquecesse nem dele nem do seu devedor.

O vapor corria bem; sopravam com certa intensidade os alíseos e não podia abrir minha vigia, amaldiçoava quem me aconselhara a preferir o lado de bombordo estaria gozando a frescura e a claridade que me eram proibidas. Ao entardecer, subi ao convés, onde uns músicos alemães se preparavam para tocar qualquer coisa. Acomodaram-se, em silêncio, obedecendo à altura de cada um, e, a um sinal do chefe da orquestra, 20 formidáveis houacs estrondaram no navio inteiro, desde a quilha à ponta dos mastros. Nunca me esquecerei de um clarinete em ; o

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