Dois anos no Brasil

alguns fazendo lembrar o que pedira esmola a Gil Blas armado de uma escopeta.

Na Madeira o vinho deve ser excelente, pensei com os meus botões; numa ilha em que existem tantas coisas boas, comer-se-á esplendidamente. Estávamos em terra e despertara-se-me o apetite com aquela corrida de obstáculos. Que engano! Tudo ruim. Principalmente o vinho. E note-se termos pago o triplo do que nos teria custado refeição melhor no Café de Paris. Ao regressarmos a bordo, compramos poltronas de vime com que mobiliamos a popa do navio onde costumávamos nos reunir.

Chegamos a 17 a Tenerife. Como a demora fosse apenas de duas horas, desisti de ir a terra. Desenhei o pico que se avista a grande distância. O cimo estava encoberto; o resto da montanha vestia-se de neve; em baixo, nevoeiro velando tudo.

Achava-me no camarote a ler, quando se ouviu qualquer coisa de estranho; julguei ter alguém caído ao mar. Gritos e carreiras. Os marujos trepados às vergas, nos ovens, nos cestos das gáveas; os passageiros alvorotados. Distinguia-se uma voz a implorar : "Não vão matá-lo; ele está ali; não, desapareceu! Ah! Olhe ele outra vez; é brabo, não vão espantá-lo." Era apenas uma pobre avezinha de arribação e fugida da gaiola, por culpa de uma negra estouvada. Prolongou-se ainda por algum tempo a caça ao bichinho, sem resultado, e, por fim, cada um foi cuidar de seus interesses. No mar, os mínimos incidentes tomam proporções de grandes cenas. Muitas vezes me entretive, sentado ou deitado perto dos cordames do navio, a contemplar o movimento das vagas, a observar um peixe voador, ou a seguir com a vista um bando de golfinhos subindo ou descendo a correnteza quando se anunciava tempestade. A avezinha fora um acontecimento. Estava a pensar nela quando a vi descer cautelosamente em direção a uma vasilha cheia d'água; mostrava-se naturalmente fatigada

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