Dois anos no Brasil

sobem ao convés curados dos seus males, desta vez com mais eficácia do que no dia do exercício de salvamento.

Pouco a pouco os coqueiros tornam-se visíveis. Nenhuma montanha, nenhum segundo plano, apenas árvores e céu. Uma velazinha parece surgir de dentro do mar; caminha na nossa direção com vento a favor. Vemos apenas uma vela, sem sabermos qual o seu ponto de apoio. Intriga-nos a cena. "São jangadas", diz-me ao ouvido um marselhês que vivia há anos em Buenos Aires. "O senhor vai ver daqui a pouco como são embarcações seguras, embora não o pareçam." Efetivamente, era segura. Meia dúzia de paus amarrados entre si, um banco e, ao centro, um furo onde se fixava o mastro. Nada mais. Nessa espécie de embarcações não se vai ao fundo, é verdade, porém tem-se os pés sempre dentro d'água e, às vezes, um pouco mais do que os pés.

"Esses jangadeiros, fique certo, se lhes pagassem, eram capazes de ir assim até à Europa." Não me convenci e repliquei: "Acho um arrojo demasiado. Como se arranjariam eles nessa longa travessia?" E o marselhês respondeu-me sem pestanejar: "Iam costeando." Não precisei perguntar mais nada: convencera-me.

Aproximávamo-nos de Pernambuco e dali a pouco lançávamos ferro defronte a uma linha de recifes tão regulares que pareciam uma muralha. Do ponto onde nos encontrávamos não se podia descortinar a cidade edificada em terreno muito plano. Mandou-se um bote a terra levar os documentos. Ninguém pensando em desembarcar numa dessas jangadas que podiam ir à Europa pela costa, sobretudo quando o mar arrebentava com violência nos recifes, tivemos de esperar o regresso do bote. O comandante já se mostrara descontente com a demora e, ao ver a embarcação, foi receber pessoalmente os tripulantes visivelmente embriagados. Como um bom boxeur, meteu socos nos

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