Dois anos no Brasil

a "montarias". E combinei arranjarmos uma por empréstimo. Vimos cerca de 30 dessas embarcações, mas Policarpo sempre as recusava com um "logo". Não achava conveniente aproveitar-se das que apareciam. Mas, à medida que avançávamos, mais raras se tornavam as "montarias". Notava que Miguel dava mostras de cansaço e o preguiçoso Policarpo, de braços cruzados, repouzava. Crescia-me a cólera e indaguei que pretendia ele com essas recusas repetidas quando fora o primeiro a exigir montaria para navegar neste rio, embora este, ao contrário do que eu esperava, cada vez se tornasse mais largo. Desde o caso dos retratos, de que ficara desconfiado, embora não fosse punido, Policarpo se mostrara mais cordato, porém agora queria de novo botar as manguinhas de fora, não ligando importância ao que eu dizia, não me atendendo, sem fazê-lo por imbecilidade, como Benoit, mas por má vontade. A certo ponto a paciência faltou-me de todo e tirando-o bruscamente do lugar de que tanto gostava, meti-lhe um remo nas mãos e pela primeira vez fi-lo trabalhar cinco minutos. Decorrido esse tempo, descobri três montarias amarradas a um pequeno porto e esperei o que Policarpo ia fazer. Mandou Miguel remar naquela direção. Perto de terra, Miguel saltou logo, enquanto Policarpo voltava ao seu canto do costume, pondo-se a embrulhar o quer que fosse, num lenço, sem se preocupar com a obtenção da montaria tão necessária, conforme afirmava. Eu o observava tranquilamente, não tendo dúvidas sobre suas intenções. Pronto o embrulho, meteu-o debaixo do braço, agarrou num cacete que ele mesmo fabricara na véspera, e de que eu conhecia o peso, e pulou em terra, caminhando na direção da floresta. Quando já se achava a uns 15m, perguntei-lhe aonde ia e respondeu-me: "Vou passear no mato." Queria dizer, ao seu jeito, que me abandonava.

Senti, como no dia dos alagadiços, coisa estranha dentro de mim. Eugênio Sue, nos Mistérios de Paris,

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