Dois anos no Brasil

diz que Chourineur, em certas ocasiões, via tudo vermelho. Eu também estava vendo tudo dessa cor, porque nem sei bem o que se passou antes de me encontrar cem o joelho em cima de Policarpo e com meus cinco dedos manchados de sangue a apertar-lhe o pescoço, enquanto com o revólver na outra mão levantada dispunha-me a quebrar-lhe a cabeça com o cabo. O cacete jazia a alguns passos de nós. Miguel a tudo assistia sem dar um pio. Se não matei esse miserável, nesse dia, foi por tê-lo visto tão amarelo que o julguei ferido gravemente. Tornara-se irreconhecível de medo. Assustei-me pelo que poderia ter acontecido e levantei-me do chão, sem dúvida tão pálido quanto o índio. Ele pôs-se de joelhos e pediu-me perdão, prometendo-me andar muito direito se o levasse ao Pará. Que poderia fazer senão perdoar? Sentia-me até feliz de não haver cometido um crime que me perseguiria pelo resto da vida. Escorria bastante sangue da cara de Policarpo porque minhas unhas estavam crescidas e meus dedos haviam penetrado bastante na sua pele. Mandei que se lavasse e eu próprio mediquei os ferimentos, pondo-lhe colódio, prevenindo-o de que doeria um pouco a princípio, mas depois far-lhe-ia bem. Dei-lhe mesmo uma ração de cachaça. Por fim, em face da fraqueza moral do meu adversário, não tive mais ânimo para nada contra ele e, como acontece frequentemente, procurei justificar seu mau procedimento. Tive piedade dele e prometi a mim mesmo reparar o mal que lhe fizera. Modificaram-se as ideias que fazia dessa gente, perdoava também ao soldado Zeferino, aos remadores fujões, as peças que me pregaram. Decididamente não tinha vocação para assassino, pois muito tempo depois estremecia só em pensar no que pudera ter acontecido nesse dia.

Entretanto, não me devia limitar a essas emoções, tinha de agir; mandei os dois homens à procura de uma habitação próxima onde pudessem obter licença para utilizarmos

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