Dois anos no Brasil

De repente senti a canoa adernar. Miguel achava-se na outra extremidade do barco e ao clarear de um relâmpago vi que recolhia o cabo da âncora. A pedra ficara no fundo do rio. O cabo partira-se. Agora, íamos ao sabor da correnteza sem podermos parar. Nem sei quanto tempo durou essa terrível viagem: a canoa, levada pela corrente e tangida por vento feroz, às vezes rodava em torno de si mesma. Impotentes os remos. Houve um instante em que nos pareceu haver terra próxima, mas desaparecera. Todavia brotou-me certa esperança, peguei na vara que há tempos me proporcionara grande êxito e metia-a dentro d'água, a princípio sem resultado, mas, persistindo, felizmente, senti tocar no fundo do rio. Dei um grito de alegria, chamando Miguel e, então, juntos, empregamos todos os nossos esforços para manter a canoa parada. Conseguimos enterrar mais a vara que era toda nossa esperança; a noite inteira decorreu assim e a luz do sol veio nos encontrar com a vara convulsivamente agarrada por nossas quatro mãos. O perigo aos poucos desaparecera, embora o vento ainda fosse forte. Trocamos ideias sobre o que devíamos fazer, uma vez que, agora, podíamos ver o que nos cercava e ameaçava. Por felicidade encontráramos uma dessas ilhas que saem das águas e justamente nos salváramos por estar um tanto protegidos por ela. Como não houvesse meio de acharmos abrigo ali, resolvemos navegar na direção de outra ilha, a duas léguas de distância, e da qual víamos a praia. Para lá nos botamos e com a ajuda do vento alcançamo-la com agrado, pois dispunha de uma praia de areia muito convidativa. O sol já estava tão ardente que tive de correr para não queimar os pés na areia. Descansei debaixo de umas árvores e ali Miguel serviu-me um pedaço de pirarucu comprado em Vila Bela, com um pouco de farinha. Não dispunha mais de bolacha. Mandei vir também sal, azeite rançoso e limões de que me servia à guisa de vinagre. Comemos ambos esses petiscos e depois nos

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