Dois anos no Brasil

entre poderosas raízes e foi uma luta para nos safarmos dali. Noutra ocasião, malgrado minha perícia, adquirida há tempos, uma onda caiu sobre o teto da minha barraca, passando por cima dos macacos. Mercê do guarda-sol prudentemente aberto sobre minha cabeça apenas apanhei salpicos, embora tivesse de esvaziar a canoa do líquido que nela ficara. Vi o resto do colódio que possuía evaporar-se por ter deixado o frasco destampado. Perdi, certa noite, uma de minhas calças e uma camisa que secavam por cima da esteira protetora de minhas bagagens. O buraco que os macacos tinham aberto no meu telhado aumentara de tal modo que por ele passaria um chapéu. Isto deu margem a uma porção de artes desses símios: com os rabos me furtaram vários objetos.

Um dia em que mudávamos de rumo a todos os instantes, vi uma coisa inesperada e em meio dessas solidões: no céu azul destacava-se uma cruz branca sem que se pudesse imaginar quem ali a houvera posto. Passávamos perto da margem e para fazer um desenho bastava virar de bordo. Miguel encarregou-se da manobra enquanto eu cuidava do desenho. Pouco a pouco essa cruz, que a princípio aparecia no céu, dominou, ao se afastar mais a canoa, uma cortina de árvores gigantescas que transformavam completamente o aspecto da paisagem. Agora a cruz se aparecia com sua brancura dos maciços vegetais que lhe serviam de fundo. Haviam feito uma queimada na base da montanha sobre a qual dominava essa cruz. Era de um magnífico efeito. Nenhum local se prestaria melhor para um cemitério. Mais tarde, voltando à Europa no vapor "New York", um jovem alemão, meu companheiro de camarote, perguntou-me se ouvira falar numa cruz que um doutor, seu patrício, mandara levantar num sítio do Amazonas onde estivera em risco de se afogar. E nenhum outro pormenor mais obtive acerca desse assunto.

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