O Selvagem

talvez uma quinta parte do solo de nossa terra, aí estarão na língua por eles modificada os imperecedores vestígios de sua coexistência e comunhão conosco.

Se dos verbos passássemos aos substantivos, nomes de animais, lugares, plantas, ver-se-ia que nada menos de mil vocábulos, quase uma língua inteira, passaram e vieram fundir-se na nossa, assim como com o cruzamento tem passado e há de continuar a passar o sangue indígena, a assimilar-se e confundir-se com o nosso.

Aqueles que estudam estética dizem que nas línguas dos povos bárbaros, muito mais lacônica e muito menos analítica do que as dos povos cultos, as imagens se sucedem suprindo às vezes um longo raciocínio. A poesia de nossos selvagens é assim: o mais notável é que o nosso povo, servindo-se aliás do português, modificou a sua poesia tradicional pela dos índios. Aqueles que têm ouvido no interior de nossas províncias essas danças cantadas, que, com os nomes de cateretê, cururu, dança de minuanos e outras, vieram dos tupis incorporar-se tão intimamente aos habitos nacionais, notarão que de ordinário parece não haver nexo algum entre os membros de uma quadra. Lendo eu uma análise de diversos cantos dos árabes, tive ocasião de notar a estranha conformidade que havia entre aquela e a poesia do nosso povo: o crítico que as citava dizia: "para nós, que estamos acostumados a seguir o pensamento em seus detalhes, é quase impossível perceber o nexo das ideias entre imagens aparentemente destacadas e desconexas; para os selvagens, porém, esse nexo se revela na pobreza de suas línguas, pela energia das impressões daquelas almas virgens, para as quais a palavra falada é mais um meio de auxiliar a memória do que um meio de traduzir as