O Selvagem

impressões". Apliquei esse princípio de crítica a nossa poesia popular, sobretudo aos cantos daquelas populações mestiças, onde as impressões das raças selvagens se gravaram mais profundamente, e vi que efetivamente, suprindo-se por palavras o nexo que falta às imagens expressadas por eles em formas lacônicas, se revela um pensamento enérgico às vezes de uma poesia profunda e de inimitável beleza, apesar do tosco laconismo da frase. Consintam-me que eu analise debaixo deste ponto de vista três quadrinhas, uma do Pará, uma de São Paulo e uma de Mato Grosso, todas elas ouvidas entre milhares de outras, quando nas longas viagens nos ranchos de São Paulo, nas solitárias e desertas praias do Tocantins e do Araguaia, ou nos pantanais do Paraguai, meus camaradas ou os tripulantes das minhas canoas mitigavam com elas as saudades das famílias ausentes, ou as tristezas daquelas vastas e remotas solidões.

Comecemos pelo Pará, onde ouvi a seguinte:

"Quanta laranja miúda,

Quanta florinha no chão!

Quanto sangue derramado

Por causa dessa paixão."

Estas imagens desconexas, desde que se lhes aplique a regra crítica de que acima falei, traduzem um pensamento profundamente poético e expressado com grande energia, pensamento que, se tivéssemos de traduzir em nossa linguagem analítica, ficaria assim: Essa paixão passou por mim e fez derramar tanto sangue como a tempestade que derrama pelo chão as flores ainda pequenas e os frutos não sazonados.

Agora, uma de São Paulo: