O Selvagem

do regatão (é o nome do negociante branco) está provida de tudo: roupas, mantimentos, vinhos, licores; ele colecionou o que pôde para trocar pela borracha do tapuio; ele goza de todas essas comodidades, enquanto que a barraca do tapuio ou é a sua própria canoa ou é uma vasta choça levantada sobre seis ou 12 forquilhas, aberta de todos os lados e mal coberta com palmas de boçu [buiuçu] ou inajá. Um veado, uma anta ou qualquer outro animal dependurado por uma perna de um dos caibros da casa, algumas mantas de peixes salgados, os utensílios para fabricar a borracha, que são um machadinho e panelinhas de argila, algumas redes fumarentas atadas nos esteios da casa, as armas de fogo dependuradas nos mesmos esteios; raras vezes um pote de água, ou um peito de jacaré para servir de cadeira, alguns arcos e flechas para apanhar peixe; eis o interior da casa do seringueiro, que na extração da borracha consegue um salário médio de dez mil réis por dia.

O branco no meio das florestas, com os confortos de sua civilização, é tão miserável como o tapuio em nossas cidades com seu arco e flecha.

Se visitardes a barraca do branco, tereis ocasião de avistar com um ente pálido, quase sempre inchado, doentio e triste, no meio daquela abundância que ele reuniu ali para negociar com o mameluco. Se visitardes a barraca do tapuio, à tarde e depois do serviço, compreendereis, pelas cantigas ao som da viola, e pelos contos alegres e histórias animadas, como ele vive feliz na abundância, no meio daquela pobreza, que para vós seria o cúmulo das privações e que para ele é a mais alta expressão da riqueza e da abundância.

Desta série de fatos resulta o estado de atraso de civilização de nossos selvagens; suas poucas necessidades não são defeitos senão para empregá-los em indústrias