O Selvagem

só assim eles podiam legitimar os medonhos atos de barbária que cometeram.

Para poder matar os índios como se mata uma fera brava, poder tomar-lhes impunemente as mulheres, roubar-lhes os filhos, criá-los para a escravidão, e não ter para com eles lei alguma de moral e nem lhes reconhecer direitos, era mister acreditar que nem tinham ideia de Deus, nem sentimentos morais ou de família.

A história fará algum dia plena justiça a essas asserções.

Por outro lado, os padres jesuítas antigos, que com serem grandes homens, nem por isso deixavam de ser homens, participaram em grande parte dos defeitos de seus contemporâneos. Naquele tempo a crença no poder do espírito maligno era tão grande, que Satanás representava na vida humana um papel quase tão importante como o do próprio Deus.

Não se entendia, como hoje entendemos, que nada aparece na humanidade que não seja a consequência infalível de uma lei moral estabelecida pelo Criador. Toda e qualquer manifestação religiosa era, pois, segundo as ideias do tempo, uma inspiração do diabo, um culto prestado ao espírito das trevas. Impelidos por estes dois poderosos móveis, compreende-se quantos erros não cometeram os primeiros historiadores, e a desconfiança com que devem hoje ser lidos seus escritos.

Feitas estas reservas, entro no estudo do primeiro ponto, isto é, família selvagem.

III

Família selvagem

Tendo recusado o testemunho dos escritores antigos, o que passo a referir é filho da própria observação,