O Selvagem

aldeiamento, que trazendo a vida sedentária a homens que não têm as artes necessárias para viver nela, os sujeita à cultura da terra para obterem um alimento inferior, para eles, ao que com menor trabalho conseguiriam na caça e na pesca, enquanto pudessem livremente entregar-se a elas na vida seminômade a que estão habituados. Daí o desgosto, a preguiça, a ociosidade, que forçosamente corrompem tudo e criam a prostituição, a embriaguez e outros vícios.

No estado selvagem a família indígena é o que deve ser: a expressão exata das necessidades sociais, que ela sente no grau de civilização em que se acha.

É, pois, tão digna de respeito como a nossa, e não pode ser alterada senão depois de incutirmos-lhe nossas ideias e necessidades; e o primeiro passo para isso é aprender a sua língua, para podermos ensinar a nossa, e com ela nossas ideias.

Como já observei, os modernos catequistas não aprendem as línguas indígenas. Já ouvi a um deles sustentar convencidamente a opinião de que nossos selvagens eram incatequisáveis por serem descendentes de Caim. A experiência dos jesuítas em ambas as [sic] Américas prova o contrário.

Em vez de explicação genealógica, parece-me muito mais notável afirmar-se que é impossível trazer um homem qualquer às nossas ideias, desde que nos falte o meio de fazê-las conhecidas a esse homem, seja ele filho de Caim ou de Abel. Se um dervixe do Japão viesse pregar entre nós sua religião, não encontraria provavelmente quem lhe quisesse ouvir os sermões enquanto ele os pregasse na língua japonesa.

Quando Deus quis propagar o cristianismo não se satisfez que os apóstolos o pregassem no dialeto sirocaldaico que falavam: fez baixar sobre eles o Espírito Santo, a fim de que pudessem falar todas as línguas.