O Selvagem

Se os apóstolos, que tinham mais força, porque receberam a missão direta da propagação da fé, o não deviam conseguir senão por intermédio das línguas faladas pelos povos pagãos; se isto é ensinado pelo Espírito Santo, que é a própria sabedoria, como é que aqueles, que se afastam do caminho ensinado por Deus se espantam de não chegar ao ponto a que ele se dirige?(15)Nota do Autor

Todos nós brasileiros, criados nas fazendas do interior das províncias, sobretudo nas vizinhanças dos pequenos arraiais compostos de populações mestiças de índios, fomos, desde a infância, embalados no meio das tradições da religião dos selvagens.

Tempo houve, na vida de todos nós, em que o Deus dos cristãos foi tão venerado e tão temido quanto os deuses selvagens. Se nossas mães nos adormeciam muitas vezes com cânticos que recordavam a infância da Virgem Maria, ou o nascimento de Cristo, nossas amas de leite nos contavam as histórias do Saci-Cererê, narravam-nos como um certo menino havia sido desencaminhado no bosque pelo Curupira; como um velho tal, que caçava aos domingos, sem ouvir missa, fora impelido pelo Anhanga a precipitar-se em um abismo; como uma lavadeira de roupa tinha avistado no fundo dos poços o Unutara, e tantas outras histórias, que não são mais do que os fragmentos da teogonia aborígine, que desde pequenos nos foi ensinada, e na qual, como disse, tempo houve em que todos nós acreditamos.