O Selvagem

mãe, que jazia morta no chão, varada com a flecha e toda dilacerada pelos espinhos.

Eis aí uma ação demoníaca, dirão. Não, digo eu, esta ação não repugna a uma divindade. É necessário estudar estas coisas debaixo do mesmo ponto de vista de quem as imaginou; os índios tinham na caça o seu sustento; o instinto lhes indicara que destruiriam facilmente esse sustento, se não poupassem a vida dos animais que amamentavam; e como não tinham e nem podiam ter um código de leis para a caça, tinham um preceito religioso. Esse conto, assim como todos os outros, encerra uma profunda lição de moral e é, de mais a mais, a manifestação de uma regra eminentemente conservadora, debaixo do seu ponto de vista e no estado em que eles se achavam; coisas estas que nunca devemos perder da memória, sob pena de não compreendermos os fatos e de escrevermos romances, em vez de história.

O Caapora é outro exemplo. Homem colossal, de corpo peludo, montado em um porco do mato, ninguém o podia ver sem ser extremamente infeliz o resto da vida. O Caapora é, pois, um ente tão mau, que não pode ser visto sem que arraste a infelicidade para quem o avistar. Assim é; mas ouçamos a tradição, e ela nos dará a explicação do fato. O Caapora era o gênio protetor da caça do mato e só era visto quando, rodeando-se uma família inteira de animais selvagens, se pretendia extinguir a mesma. Portanto, aqui, como na tradição acima citada acerca do Anhanga, o que há é uma boa ação; é um ato de proteção, exercido pelo gênio, contra quem pretendesse destruir aqueles seres que, segundo as crenças selvagens, foram confiados a seus cuidados e de cuja não destruição os primeiros interessados eram os próprios selvagens.