O Selvagem

da porta enterrado um Guirapuru, ao qual atribuem a virtude de conduzir fregueses a sua taverna. Um Guirapuru, por esse motivo, custa caro; possuo um morto (não é possível apanhá-lo vivo), que me custou 30$000 no Pará.

O destino da caça do campo parece estar afeto ao Anhanga. A palavra anhanga quer dizer sombra, espírito. A figura com que as tradições o representam é a de um veado branco, com olhos de fogo. Todo aquele que persegue um animal que amamenta corre o risco de ver o Anhanga, e a sua vista traz febre e às vezes a loucura.

O destino da caça do mato parece confiado ao Caapora. Representam-no como um grande homem, coberto de pelos negros por todo o corpo e cara, montado sempre em um grande porco de dimensões exageradas, tristonho e taciturno e dando de quando em vez um grito para impelir a vara. Quem o encontra tem a certeza de ficar infeliz e de ser mal sucedido em tudo quanto intente; daí vem a frase portuguesa: estou caipora como sinônimo de: estou infeliz, mal sucedido no que intento.

A sorte dos peixes foi confiada à Uauiara. O animal em que ele se transforma é o boto. Nem um dos seres sobrenaturais dos indígenas forneceu tantas lendas à poesia americana como o Uauiara. Ainda hoje no Pará não há uma só povoação do interior que não tenha para narrar ao viajante uma série de histórias, ora grotescas e extravagantes, ora melancólicas e ternas, em que ele figura como herói. O Uauiara é um grande amador das nossas índias; muitas delas atribuem seu primeiro filho a alguma esperteza desse deus, que ora as surpreendeu no banho; ora se transformou na figura de um mortal para seduzi-las; ora as arrebatou para debaixo d'água, onde a infeliz foi forçada a