O Selvagem

Uma das mais curiosas viagens geográficas que se pode fazer pelo interior do Brasil, ou, melhor direi, pelo interior da América do Sul, será aquela em que, penetrando pelo golfão do Prata, se vá sair na foz do Amazonas, ou vice-versa.

Uma viagem dessas, há alguns anos atrás [sic], seria reputada temerária, alguma coisa de semelhante às viagens de Levingstone para descobrir as fontes do Nilo.

Hoje, porém, se é ainda trabalhosa e arriscada, deixou de ser temerária, ao menos em certas direções.

Tenho-a empreendido diversas vezes: na primeira, segui ao norte de Minas até a Diamantina, atravessei os vales dos rios Jequitinhonha, das Velhas, Paraopeba, São Francisco, Paranaíba, Corumbá; dobrei o divisor das águas no lugar denominado Bom Jardim, atravessei as cabeceiras do Tocantins e, descendo pelos rios Vermelho, Araguaia e Tocantins, cheguei ao Pará em 1864.

Outra vez subi do Pará pelo Araguaia e Tocantins, segui pelo divisor das águas em rumo de leste a oeste até Cuiabá, desci por esse rio, pelos de São Lourenço, Paraguai, Paraná, Rio da Prata até Montevidéu. Tenho feito outras viagens, entrando por São Paulo e Minas, e representam elas, entre idas e vindas, a soma de quatro mil e quinhentas léguas viajadas pelo interior e todas tocando na região de que acima falei. Nessas viagens tenho adquirido alguns conhecimentos geográficos e topográficos que me não parecem totalmente destituídos de interesse, sobretudo no que respeita à região do divisor das águas, cuja estrada, sendo de recente data, ainda não deu passagem a nenhum geógrafo que descrevesse esse imenso país, que, na latitude sul de 15 a 16 graus, divide as duas maiores bacias fluviais do mundo.