O Selvagem

como se formou essa ordem de coisas no meio da qual nós vivemos e, despida das formas grosseiras com que provavelmente a vestiram as avós e as amas de leite, ela mostra que por toda parte o homem se propôs resolver este problema - de onde nós viemos? Aqui, como nos Vedas, como no Genesis, a questão é no fundo resolvida pela mesma forma, isto é: no princípio todos eram felizes; uma desobediência, num episódio de amor, uma fruta proibida, trouxe a degradação. A lenda é, em resumo, a seguinte: no princípio, não havia distinção entre os animais, o homem e as plantas; tudo falava. Também não havia trevas. Tendo a filha da Cobra Grande se casado, não quis coabitar com o seu marido enquanto não houvesse noite sobre o mundo, assim como havia no fundo das águas. O marido mandou buscar a noite, que lhe foi remetida encerrada dentro de um caroço de tucumã, bem fechado, com proibição expressa aos condutores de o abrirem, pena de perderem a si e a seus descendentes e a todas as coisas. A princípio, resistem à tentação; mas depois a curiosidade de saber o que havia dentro da fruta os fez violar a proibição, e assim se perderam. Substituindo a fruta de tucumã pela árvore proibida, a curiosidade de saber pela tentação do espírito maligno, parece-me haver no fundo do episódio tanta semelhança com o pensamento asiático, que vacilo e pergunto se não será um eco degradado e transformado desse pensamento?