As Lendas do Jabuti
I
O jabuti e a anta do mato
ARGUMENTO — Neste primeiro episódio, a anta abusando do direito da força, pretende expelir o jabuti de baixo do taperebaseiro, onde este colhia o seu sustento; e como ele se opusesse a isso, alegando que a fruteira era sua, a anta o pisa e o enterra no barro, onde ele permanece até que, com as outras chuvas que amoleceram a terra, pôde sair e, seguindo pelo rasto no encalço da anta, vingou-se dela, matando-a.
Parece que a máxima que o primitivo bardo indígena quis implantar na inteligência de seus compatriotas selvagens foi esta: a força do direito vale mais do que o direito da força.
Apesar da extrema simplicidade com que a lenda é redigida, revela tal conhecimento de circunstâncias peculiares aos indivíduos que nela tomam parte, que seria muito difícil a qualquer pessoa, que não o indígena, compô-la. E isso porque: a fruta do taperebá é o sustento favorito de antas e jabutis, e amadurece no princípio da seca, de modo que se o jabuti foi atolado no barro quando colhia essas frutas, e se só saiu com as futuras chuvas, segue-se que foi atolado em maio, mais ou menos, e que só saiu em novembro. É justamente durante esses meses que os jabutis hibernam. Quando ele encontra a anta é em um braço do rio pequeno - paraná-mirim; todos os caçadores sabem que este animal prefere, na verdade, os canais estreitos para residir em suas margens. Estas e outras circunstâncias, narradas com tanta precisão, que era possível fixar época para cada um dos pequenos fatos a que a narração alude, indicam a produção de uma inteligência simples, é verdade, mas perfeitamente informada e conhecedora do cenário em que se passa o pequeno episódio aí descrito.