XV
A raposa e o homem
NOTA — Todos aqueles que têm alguma experiência do mundo sabem que há muita gente de pouco senso que se julga com tanto mais direito a favores de outrem quanto maior número de benefícios tiver recebido. O fazer bem também cansa; é isto o que o indígena ensina na fábula seguinte, que se resume nesta máxima: não é bom fatigar a quem nos faz bem.
A raposa foi deitar-se no caminho por onde o homem tinha de passar e fingiu-se de morta.
Veio o homem e disse:
— Coitada da raposa! Fez um buraco, enterrou-a e foi-se embora.
A raposa correu pelo mato, passou adiante do homem, deitou-se no caminho e fingiu-se de morta.
Quando o homem chegou, disse:
— Outra raposa morta ! Coitada!
Arredou-a do caminho, cobriu-a com folhas e seguiu adiante.
A raposa correu outra vez pelo cerrado, deitou-se adiante no caminho e fingiu-se de morta.
O homem chegou e disse:
— Quem terá morto tanta raposa?
Arredou-a para fora do caminho e foi-se.
A raposa correu e foi fingir-se outra vez de morta no caminho.
O homem chegou e disse:
— Que leve o diabo tanta raposa morta!
Agarrou-a pela ponta da cauda e sacudiu-a no meio do cerrado.
A raposa então disse:
— Não se deve cansar a quem nos faz bem.