O Selvagem

— Quem é que já viu alguém arrotar depois de morto?

Fugiu e até hoje a onça não a pôde agarrar, por ser a raposa muito ladina.



XX

Outras lendas acerca da raposa

NOTA — Como o leitor viu, o pensamento geral das antecedentes lendas da raposa é este: a inteligência e o sangue frio removem os maiores perigos. Nesta coleção, o pensamento geral é justamente o complemento desse, isto é, a toleima e a fatuidade criam perigos e convertem as boas situações em más.

Nos quatro episódios, dos quais só publico aqui o primeiro, os filósofos indígenas ensinam:

Aquele que pretende fazer uma coisa só porque outrem a pôde fazer, sem dispôr das mesmas qualidades e meios de que aquele dispôs, além de expôr-se ao ridículo, prejudica-se muito seriamente e, se teima, expõe-se à morte.

A primeira parábola em que eles fixaram esse pensamento e a que se segue:

Tendo o camaleão ou sinimbu se casado com a filha da raposa, e tendo conseguido pescar atirando-se de uma árvore sobre uma fogueira de folhas, que, graças a sua agilidade e à circunstância de não ter cabelos no corpo pôde atravessar impunemente, a raposa entendeu que podia fazer o mesmo. Não dispondo, porém, da mesma agilidade do camaleão, e tocado o corpo coberto de pelos, o fogo prendeu-se-lhe, e ela escapou de morrer sem ter conseguido pescar. Por esse motivo, desfez o casamento.

Tendo a moça de novo se casado com uma espécie grande de martim-pescador, e dispondo este, para a pesca, do seu formidável bico, a raposa julgou que podia também pescar, atirando-se de cima de uma árvore, como aqueles pássaros fazem. Não dispondo, porém, de asas nem de bico, foi mordida por um peixe e escapou de morrer. Desfez também o casamento, atribuindo ao genro a desgraça, filha unicamente de sua fatuidade,