que passa debaixo das pernas, e à qual se conserva a cor natural. Quando o sr. Weddell os visitou pouco tempo depois (em agosto), encontrou o aldeamento assolado pela fome. "Ao afastar, diz ele, as folhas que fechavam a entrada de uma das choças que formam o aldeamento, penetrei no seu interior, descortinando o mais lancinante espetáculo que jamais viram meus olhos. Nunca tinha imaginado que a miséria pudesse chegar àquele ponto; miséria tenebrosa, de fazer tremer. No chão cheio de lixo, de pedaços de osso, de cocos e raízes, via-se deitada uma rapariga ainda moça, mas reduzida a um estado de magreza que é impossível imaginar; todo seu corpo estava na mais espantosa sujeira; as pernas não tinham mais movimento, mas ela ergueu um pouco a cabeça quando ao entrar eu lhe dirigi o adeus do costume, palavra portuguesa que os índios aprendem antes de qualquer outra. Movendo o braço, como que aos estremeções, ela ergueu uma das pontas da esteira para me mostrar o estado em que estava; depois, quis juntar os tições de um pequeno fogo, de onde saía a fumaça que eu tinha visto de fora e cuja necessidade era premente com o frio que fazia. Só então é que me apercebi de que em cima da palha existia ainda outro ser vivo: era uma criancinha, acocorada por trás de um rolo de casca, imóvel e de olhos postos no chão.

Houve um instante em que refleti com espanto sobre o contraste representado por aquelas duas criaturas, mãe e filha, uma tão acabada, e a outra tão florescente; mas foi só um instante, porque logo me apercebi de que o que se me afigurara robustez não passava de inchação doentia. Uma e outra estavam a morrer de fome. "Comer não tem", articulou a desventurosa mulher; "marido já morreu, columi já morreu, comer não tem" (não existe nada para comer; meu marido já morreu e morreram dois de meus filhos, por falta de que comer). Depois, como o vento e a chuva entrassem pela porta que eu