Expedição às regiões centrais da América do Sul v.2

De tudo, porém, o que nos causava maior medo era termos de andar de cabeça descoberta, sob o sol quente, pelas ruas da cidade mais insalubre do mundo. O povo da terra chegava a dizer, falando sério, que bastava só um raio daquele sol para matar um branco nos dias comuns, mas que graças à intervenção de Santo Antônio poderíamos estar certos de que nada nos aconteceria. Sentimos muito magro consolo com esta prédica, tanto mais quanto já começávamos a sentir dor de cabeça. Tínhamos era pressa de dar conta de nossa tarefa, reprimindo a muito custo os movimentos de impaciência que nos provocavam as frequentes paradas da procissão, aliás para nós muito necessárias, à vista do cansaço. Nestas paradas, uma menina, vestida de alvo, subia numa cadeirinha trazida por um negro, e recitava versos em honra ao santo, por entre o barulho dos tambores e das trombetas. Ia à nossa frente o sr. Deville, levando nas mãos, com toda gravidade, um enorme facho, enquanto a multidão de pretos entoava em volta os cânticos próprios do dia. Só depois de duas horas de marcha pudemos ir para a casa, quase contrariados por não estarmos doentes. As quatro horas da tarde fomos à procura do comandante-chefe, onde tinha sido preparado um jantar de gala. Uns após outros vinham chegando os convidados ao salão do palácio; quase todos estavam de uniforme e variavam na cor entre o negro retinto ao chocolate claro. Nossa atenção foi atraída particularmente por um negro, já velho e de movimentos inteiramente parecidos com os de um macaco; seus olhos sanguíneos faziam tenebroso contraste com a cor da pele; alguns raros dentes, de enorme tamanho, acentuavam-lhe ainda mais a proeminência dos lábios; nas maçãs do rosto viam-se-lhe os restos da tatuagem que trouxera da terra natal e nas mãos enormes notava-se aquela contração particular

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