Desde que começou sua pequena odisseia foi Lindley registrando num diário o que sofria e observava.
Nem sempre é veraz, as mais das vezes, porém, não renega a exatidão, ainda que sempre faça amargamente passar imagens e fatos pelo prisma de suas mágoas e prevenções.
Às informações de ordem geográfica, às indicações relativas à navegação da costa brasileira, à descrição de costumes, ao panorama de Porto Seguro e da Cidade do Salvador, aos dados econômicos, a tudo o que contém o livro de Lindley não falta sabor histórico de mistura com o que há de sedutor num minucioso diário da era de 1802-1803.
Não pretendemos neste prefácio senão aconselhar ao leitor a que folheie todo o livro. O que poderíamos aqui salientar, criticar ou corrigir, deixamos para as notas que completam, explicam ou contestam. Não desejamos, entretanto, deixar de chamar-lhe a atenção para um fato e uma observação.
O fato é a importância, valor e préstimo da maçonaria naquela era colonial na Bahia.
Tolerada, sentida sem escândalo, tanto que nada resultou ao inglês o terem-lhe apreendido entre os papéis um título ou certificado maçônico, foi aos irmãos pedreiros-livres que Lindley deveu poder levar a cabo ousada e perigosa fuga.
Spix e Martius observariam como a maçonaria, escapando ao "caráter social e caridoso de suas congêneres da Europa" no princípio do século XIX, exercia na Bahia a função de propagadora de ideias políticas "liberais" nativistas e emancipadoras (Através da Bahia, Bahia, 1916, pp. 117/118); e foi certamente em lojas maçônicas que melhor Lindley auscultou as palpitações da independência brasileira, ainda em gestação, mas já vivazes em expansões de opinião, na rivalidade entre reinóis e nativos, no orgulho agressivo destes.
Com alguma agudeza registrou Lindley que a hostilidade ao estrangeiro, especialmente ao inglês, na sua indústria e comércio com o Brasil, e um tal ou qual ódio nacionalista e xenófobo, eram sentimentos que se estavam desenvolvendo e transformando em inimizade do colono contra o metrópole, do brasileiro contra o português.