Cartas do Solitário

Ai de mim! Este coração exangue não alimenta hoje um sentimento grande, uma paixão veemente.

Outrora, como a lira do poeta, a sua pena eletrizada poderia rasgar alguns quadros imaginosos, abundantes de luz, belos de sombra. Como a ode do vate, que brinca e chora, que brame e pragueja, que salta e desliza suave, a sua prosa poderia ser forte e meiga, doce e enérgica, colorida e triste, segundo o objeto, a ideia e a paixão do momento. Então era a aurora da juventude; hoje o crepúsculo da velhice!

E é por isto, meu caro amigo, que não sinto forças para prosseguir no terreno escabroso, estéril e incandescente dos negócios políticos em que me tenho revolvido até agora. Solto as velas aos ventos; deixo a costa escarpada da política. Largo aos mares ainda não praticados! Vogue, vogue o baixel!

E nem um pesar, ligeiro sequer, de haver-me afastado daquele mundo dos ódios funestos e das paixões mesquinhas! Nem uma sombra daqueles climas abrasadores me distrai o pensamento fixado em outras regiões mais escuras, sim, porém mais profundas.

Amigo, desviemos por algum tempo os olhos desses átomos políticos que absorvem toda a atenção. Estudemos agora os fenômenos de um mundo muito diverso.

Tomemos o caminho de um terreno inteiramente neutro. Passemos a campos desconhecidos.

Exploremos terras longínquas. Não haverá aí lugar para o preconceito político não haverá aí o prejuízo liberal ou conservador, saquarema ou luzia.

Ocupemo-nos dos interesses permanentes do país. Cuidemos do futuro, alongando os olhos através do presente. Tratemos, meu amigo, das questões sociais, da essência desse todo em cujo centro habitamos. Em uma

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