Cartas do Solitário

Abrindo os portos do Brasil ao comércio estrangeiro de importação e exportação, a carta régia favorecia tanto os interesses de Inglaterra, que então era preciso lisonjear, como tinha por fim socorrer as finanças reais. Aí se alega, com efeito, o grave prejuízo da Fazenda proveniente da total interrupção do comércio em vista das críticas circunstâncias da guerra europeia. Os apertos do fisco, como diz Bastiat, contribuíam mais para a reforma do que a consciência dos sãos princípios. Como quer que seja, porém, caiu por terra em um dia esse sistema secular construído por uma longa série de leis e ordens, que proibiam no Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os vassalos da coroa e os estrangeiros.

Isto, porém, não bastava para satisfazer as necessidades do país. A carta régia, posto submetesse todas as mercadorias ao direito de 24% sem distinção quanto a nacionalidade dos navios, foi reformada nessa parte por um decreto de junho do mesmo ano, que estabeleceu direitos diferenciais, a saber: 16% para as mercadorias transportadas em embarcações portuguesas, e os mesmos 24 para as demais, com exceção dos ingleses, que obtiveram, em tratado posterior, a entrada por 15%. Estes direitos diferenciais, que não colocavam todas as bandeiras nas mesmas condições, ofendiam visivelmente os interesses do país, que tinha toda a vantagem em comerciar diretamente com quaisquer nações.

Não é só isso, porém. Calcula-se a população do Brasil, no começo do século, em 3.600.000 habitantes, dos quais 1.440.000 eram escravos. Tão pequena população, extraordinariamente disseminada por uma superfície vastíssima, exigia, para prosperar, a maior facilidade de comunicações entre os mercados mais frequentados pelo estrangeiro e os pequenos portos do litoral.

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