Cartas do Solitário

irresistível, compete regular e condenar os capitais que se desgarrarem. Demais, a propósito das fábricas de ferro, par exemplo, eu confessei e acredito que elas podem viver de si mesmas e até prosperar em algumas localidades, abundantes da matéria-prima e tão afastadas do litoral que os produtos nelas manufaturados sejam menos caros que os de fora, encarecidos pelo transporte. É o que tem acontecido em Minas Gerais, aonde, pelos mesmos motivos, os teares de algodão grosso poder-se-iam conservar por muito tempo, se a abertura e maior comodidade das comunicações não tivessem nos últimos anos facilitado as remessas de produtos semelhantes do mercado da Corte.

Entretanto, pode acontecer que no ânimo de muitos outra convicção se tenha formado. A ascendência de um prejuízo alimentado desde o berço, o das misérias a que se expõe a nossa nulidade manufatureira, a imagem, que parece brilhante, aviventada pelo calor do patriotismo, de uma rede variegada tecida por índios e, por motivo mais forte ainda, a recordação de um pano de algodão mineiro, quase igual a certas casimiras, de que outrora se vestiam os melhores patriotas nos tempos de nossas lutas passadas, a ascendência de tal prejuízo e o prestígio de tais recordações não se desvanecem em um dia, diante de uma prova única, e talvez com ela se consolidaram melhor no espírito público. Era assim com razão que Michelet procurava ler no homem do presente as impressões hereditárias do homem do passado.

Ora, eu não tenho escrito senão para combater essas ideias, que reputo disseminadas até entre pessoas da boa sociedade. Se desprezássemos a oportunidade, outra ocasião não se ofereceria tão favorável. Foi a Exposição de Londres, em 1851, como disse no primeiro artigo, que precipitou as reformas comerciais já empreendidas em Inglaterra, que desmoralizou o regime proibitivo do continente, e que provocou, pouco depois, a série de medidas por meio das quais a mesma França acaba de encetar o regime da liberdade.

Poderemos esperar o mesmo resultado? Não é fácil prevê-lo. Há muita gente que, não querendo atender às diferenças, invoca um exemplo americano, o dos Estados Unidos, aonde prevaleceu por vezes a pretensa lei do auxílio ao trabalho nacional contra a concorrência estrangeira, o regime protetor. Mas, em primeiro lugar, essa doutrina não foi consagrada nas tarifas sem reclamações veementes dos consumidores do sul e do oeste, que

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