O Brasil Central. Expedição em 1884 para a exploração do Rio Xingu

essenciais. Examine-se a longa série das outras palavras sem valor, em relação ao seu conteúdo conceitual, e procure-se encontrar nelas semelhanças como as acima descritas e não serão achadas, de modo que não resta a menor probabilidade de se tratar de simples casualidades.

Certamente o desmembramento, vindo das diferentes categorias sociais, conforme conclui Martius, se verificou em tempos muito remotos, coisa que também se depreende do resultado da comparação filológica exposta. Assim como se calcularia em séculos a época em que ambas as séries dos jês, os do norte e do oeste, se desligaram dos do centro, do mesmo modo se estimaria a divergência de uma tribo originária de jês e botocudos numa data ainda mais remota. Se os botocudos se atribuem a si próprios, segundo o príncipe Wied, de "Engeräcknung", isto é, de serem o da pátria dos valorosos e dizem "Nós velhos, que vemos longe", creio que, no nosso caso, essa opinião se justifica. Eles têm a própria partícula pronominal numa forma ainda bastante grosseira. "Po" é mão e pé ao mesmo tempo, não se verificou a menor distinção entre uma e outra coisa sequer. Em todo caso, braço e perna possuem designações especiais. Entretanto, é possível verificar-se ainda hoje a relação primitiva que existe entre as palavras jês para braço e perna, conforme ainda se podem citar exemplos nas nações altamente civilizadas: "digitus" e "dedo". Por toda parte encontramos ali, em vez do "po" botocudo, para braço ou mão, os "pa, ha wa", providos do pronome. Encontramos, outrossim, para pé uma expressão "pari" ou [Ver caracteres no original] na Série Suiá e outra "para, pra", na Série Xavantes.

Martius ainda considera companheiros de tribo indubitáveis dos crens os coroados e os puris, deixando apenas como hipótese a analogia dos crens com os jês, que devem ter-se desmembrado em velhos tempos da horda principal. Que os coroados e os puris, conforme se acredita por tradição, tenham uma mesma origem, é coisa certa, mas que sejam declarados parentes dos jês-botocudos, parece-me inseguro. Os indícios que Martius fornece como provas, isto é, a concordância das linhas do corpo essenciais e dos costumes, das suas casas, armas, do nomadismo selvagem, só podem concorrer, em primeiro lugar, para provar que ambas essas famílias de tribos se tenham encontrado num mais baixo nível de cultura do que a que se conheceu depois. A comparação das línguas coroada e botocuda, contudo, não decide a favor de um parentesco sanguíneo dessas tribos. Mas eu preferiria admitir que devem ter existido relações afins e que aqui se formou também uma espécie de nivelação histórico-cultural, porque certos vocábulos não sem valor estão a demonstrar

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